Ainda Voltaire

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É uma característica transversal das Magnum Opos da literatura; são perenes. Em O Ingénuo, algo de superior está patente que não a sua actualidade. Essa estará sempre enquanto o homem for homem. Refiro-me concretamente ao facto de a realidade portuguesa do século XXI aderir na perfeição, ao narrado por Voltaire enquanto “a Corte de Versalhes”. Esta será a razão que me impele a discorrer uns quantos apontamentos que regularmente faço sempre que leio um ensaio ou obra filosófica, e que neste caso publico.

A Lei Natural em contraponto com a Lei Positiva.

Sendo a Lei Natural mais própria ao instinto, carecerá o Homem de Lei Positiva? Carece na circunstância de que é um ser social. Social no seu complexo de razão e sentido, mais do que no âmbito da sobrevivência. É que porquanto que o Homem solitário sobreviveria no limiar, ainda assim perderia a humanidade que há em si, por esta ser própria do contacto. Aqui entra a Lei Positiva, forma de o Homem se auto-regular, de acordo com as suas necessidades sociais. A Lei Positiva parece-me em última análise, a resposta adequada para o Homem se assumir na sua forma social, e como tal, na sua forma superior. A Lei Positiva acaba por impedir segundo o meu entendimento de Voltaire, a negação do primado da Lei Natural que consagraria a Desordem Natural.

A Corte de Versalhes e o Clero Vs O Estado e os Lóbis.

Parece-me uma comparação eminente. Na verdade, a forma de corte descrita por Voltaire assemelha-se à situação actual naquilo de que imutável é feito o poder: o espírito dos Homens que o ocupam. Por isso, a vilania dos políticos será sempre a abjecção do Estado, a ode da guerra e da fome e o triunfo da injustiça. Em contraponto, o bem no bom posto (porque o cargo político é intrinsecamente bom por aquilo que pode fazer pelos terceiros) será a reprodução de Paidéia da Grécia Antiga e a formação de Guardiões como preconiza Platão em A Republica, a mais magistral lição não de política mas de formação política que até hoje li.

O Constrangimento Social no processo intelectual.

É inegável que aprendemos para saber, bem como é irrefutável que o saber é vantajoso perante a ignorância. Uma questão que sendo paralela passa frequentemente à margem destas evidências é que o saber como fonte de Verdade, é perturbado por constantes constrangimentos de ordem social, que na sua ausência levariam a um mais evidente escrutínio da Verdade. Note-se que o Ingénuo que Voltaire monta, é não mais que um inculto, que posto em contacto com o mundo livresco, facilmente ultrapassa os cultos franceses. Este salto qualitativo dá-se pela ausência de preconceitos, modas, tendências, gostos ou estereótipos na educação infantil, e consequentemente na área ininteligível da mente. O Ingénuo era um ser aberto à Verdade porque foi privado do constrangimento social.

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