Assim deveria ser

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Andava aos perdidos e descobri um achado ja bem antigo. Como muitos se vão esquecendo, achei por bem relembrar.


Nasce Selvagem


Mais do que a um país
que a uma família ou geração
mais do que a um passado
que a uma história ou tradição
tu pertences a tinão és de ninguém

Mais do que a um patrão
que a uma rotina ou profissão
mais do que a um partido
que a uma equipa ou religião
tu pertences a ti
não és de ninguém

Vive selvagem
e para ti serás alguém
nesta viagem

Quando alguém nasce
nasce selvagem
não é de ninguém

A momentos e espaços

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Estou cansado. Paro e saio do "meu mundo", ou do de todos nós. Sim eu venho do mundo de todos nós, e agora, acordado, estou dormindo no meu.
Porque o "meu mundo" já foi bem mais turbulento, agora é como um sono.
Sinto-me absolutamente tranquilo e sei, porque o sei de facto, que não me sinto torpe com este sono biológico e tão característico do "nosso mundo". Sinto-me como parado numa dimensão, entre o mundo de todos e este "meu mundo".
Talvez amanhã, não faça absoluto sentido qualquer coisa que escreva neste meio termo de estar, mas agora, neste tempo parado e transitório em que me encontro, estas palavras eram o necessário testemunho de que voltei a passar pelo "meu mundo". Gostei. E cada vez que o considero, considero que não me traí. A mim e a todos dos que pensando estar esquecidos, são os companheiros lembrados todos os dias. Os amigos, as histórias, os gestos, a crítica, a poesia e o orgulho de ser assim.

Saudades

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Tuas...
Não porque sejam alguns minutos, horas, dias... Eu espero.
Saudades por seres tu.
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"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe


Não, não vou por aí!
Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!


José Régio

Entre vultos

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Inevitável.
A vida tem momentos assim...

Por vezes, carris...

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Por vezes trocam de carril e fazem-nos desviar. São dois os sentidos, por vezes mais, por vezes perigosamente menos.
Podemos até não saber a estação, e só interessa se não conhecer-mos o terminal. Por vezes entramos sem saber, e saímos sem querer.
Por vezes apanhamos o eléctrico, por vezes perdemos. Por vezes chegamos, por vezes ficamos.
Alguns caminhos conhecemos , outros não.
Alguns desistem, outros vão a pé, outros correm. Outros fazem tudo isto por vezes...