Essa maldita acção d'oirada

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Hoje, oito dias antes do Tribunal Europeu de Justiça se pronunciar sobre os usos, em 2005 e 2008, da Golden Share do Estado Português, o Estado voltou, numa operação deveras mediática, a fazer uso dos seus poderes especiais. A questão é complexa e devemos procurar antes de mais saber se as Golden Share fazem sentido ou não. Essa é verdadeiramente a questão que interessa, e que de uma maneira ou outra, a União Europeia vai por a nu. Porque mais do que pensar nas aplicações casuísticas da Golden Share, neste ou naquele negócio, vale a pena perceber o que quer dizer um mundo onde se pretende acabar com as Golden Shares, um mundo que é em tudo confluente com aquele que as criou.

Vale a pena lembrar que a Golden Share é um poder que assiste os Estados, um pouco por toda a Europa onde ainda se não abdicaram destes direitos, e não é displicente lembrar que este, só existe em empresas que houveram sido públicas, desde a sua fundação na maioria dos casos. A Golden Share é por isso um resquício, um resto se assim se preferir, e um subterfúgio dos Estados face àquilo que, por maior ou menor desgoverno, quer financeiro quer estratégico, os levou a alienar as suas participações de 100% em empresas que desempenhavam ou desempenham um serviço público, de carácter nacional, geralmente sem concorrência naquele espaço territorial. Quando as privatizações se tornaram uma arma de fácil uso, quer para tapar buracos orçamentais, quer para rever toda a estrutura de mercado de países cada vez mais tendentes ao liberalismo capitalista, os Estados criaram este artífice; um fetiche multiplicado por cinco centenas: as 500 golden shares.

O problema é que estas Golden Share limitam claramente a transparência, a liberdade e a eficiência dos mercados. Aparentemente, salta à vista a questão lídima: Com que direito, um accionista que não tem capital na empresa, tem um “super poder”, por demais especial: o veto? Porque é que o Estado, que vendeu e recebeu por isso, parece continuar a cercear a liberdade de quem compra e paga por isso? De quem é realmente a acção e todos os direitos que esta confere, e até que ponto, nós accionistas, somos senhores daquilo que somos donos? Em rigor, não parece haver justificação para as Golden Shares. Estas limitam a liberdade de aquele que, dirigindo-se à Bolsa de Valores e adquirindo uma participação, suprindo todos os selos e adjacentes impostos, é, cabalmente, dono de algo.

Mas a esta perspectiva, tão legal e inequívoca e que irá por certo ser a do Tribunal Europeu, contrapõem-se uma outra, factual e histórica. Já anteriormente dissecámos o que é e o que faz uma Golden Share. Por limitar direitos, a simples existência da Golden Share torna o activo que lhe está subjacente obviamente menos valioso; porque todos nós estamos dispostos a pagar menos por uma empresa com Golden Share do que por uma completamente livre dos arbítrios estatais. Assim, à data das privatizações, o preço por acção foi menor do que o que poderia ter sido. E a explicação está aqui. O que Estado vendeu nunca foi um activo livre da sua interferência, mas sim um activo, quase sempre livre da sua interferência. E esta diferença, que é tão subtil na gramática como no entendimento, é grande em dois aspectos: no preço por acção praticado na privatização, e na forma como os estatutos distribuem o poder de decisão pelos accionistas. Não há por isso dúvidas que o preço pago pelos privados ao Estado, à data das privatizações, foi revisto em baixa pelo facto de haver uma Golden Share, e mais, essa revisão em baixa é justa porque de facto, a PT ou qualquer outra, vale menos por estar associada a uma Golden Share. Posto isto, as perguntas invertem-se. Porque não deverá o Estado vetar o que bem entende se, vendeu empresas com Golden Share associadas e estas foram compradas pelos privados, tendo eles aceite essa condição? Onde está o Estado a abusar dos seus poderes? Ao renunciar à Golden Share, não estaria o Estado a renunciar a um direito que é seu, e que nunca vendeu – ou privatizou se preferirem – antes? A Golden Share é um direito poderoso, e como tal, vale muito dinheiro; dinheiro esse que o Estado nunca receberá, mesmo que veja esse direito extinto.

Depois disto, podemos sim falar da PT e de qualquer outro assunto. A minha opinião, com ou sem Golden Share, é que a Vivo não deveria sequer estar à venda, aliás tal como disse Zeinal Bava. Porque se a PT vende a empresa que lhe dá mais de 70% dos clientes, quase metade das receitas e 40% dos lucros; se a PT vende aquilo que é de facto estratégico no negócio das telecomunicações, a PT está a vender a alma do seu negócio, está a vender aquilo que sabe fazer, aquilo onde acrescenta valor. Os accionistas portugueses sabem disto, e sabem que perder a Vivo ou desmantelar a PT – pelo menos do ponto de vista internacional – são uma e a mesma coisa. A única razão para terem votado desta forma foi porque o interesse nacional, obviamente posto em causa, não vale nada quando existem problemas prementes de tesouraria. É a estória dos dedos e dos anéis. E o pior de tudo é que os accionistas, ainda que cometendo erros, estão no direito de os cometer.

Ténis: fim de Era

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E o ténis volta a ser aquele jogo em que não sabemos quem ganha. Federer, pelas piores razões, denotou mais uma vez aquilo que já fazia adivinhar desde que, pela primeira vez, perdeu o #1 do ranking. É certo que o perdeu por sofrer de uma monocleose, e durante todo a ano foi-se batendo ao nível dos melhores, mas depois da derrota no US Open o ano passado, percebia-se qualquer coisa. Depois disso, ainda ganhou o Open da Austrália e parecia que Federer tinha regressado. Ele sim, mas a lenda tinha mesmo morrido. Até voltou a ser #1, bateu novamente os poucos records que lhe faltavam bater, e é, sem margem para dúvidas, o melhor de sempre, mas não da actualidade. Na relva, perdeu pela primeira vez desde que reina o torneiro alemão de preparação para Wimbledon, e agora, cai em Wimbledon prematuramente. Alguma coisa se passa? Não. Passou simplesmente o tempo. O melhor Federer está no youtube e nos DVD's de coleccionador. Felizmente, pude vê-lo em muitos directos, alguns a horar impróprias para um europeu. Agora siga o ténis, tão só, sem Federer a brilhar, ainda que talvez até a ganhar alguns torneios.

Do nojo

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O desfile de pulhice, para pequeno refrigério meu, quase sempre saloia, não pára. Cavaco não aparece, nem se faz aparecer, motivando declarações paternais um tanto esotéricas de Marcelo Rebelo de Sousa. Sousa Lara não mudou nada em 18 anos, e por fim, nos fóruns cibernáuticos (talvez vivamos numa época em que faz sentido criar fóruns de debate sobre a morte) é patente a isquemia cerebral à laia de comentários: "pagam-lhe a transladação mas não pagaram a quem morreu no Ultramar".

Tenho um amigo meu que me diz que "o que faz falta" ao Mário Soares para ser consensual é a morte. Mesmo que concordasse com isso, a ver pela "amostra", o que faz falta é Gente.


P.S: Eu não diria melhor.

Saramago

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Morreu Saramago, e com isso, Portugal perdeu um grande escritor. Num país culturalmente atrasado, as elites tendem a circundar a cultura. Saramago, com maior ou menor nobreza, mas sempre com génio escorreito - de um trato popular tão simples de acontecer e difícil de retratar - esteve sempre nos antípodas daquilo que o classicismo cultural português quis fazer dele. Não interessa o que ele, a bem de Portugal, tenha conseguido provar internacionalmente, interessa sim o que deveria ser da mais elementar dignidade e literacia literária: reconhecer esta enorme perda. Como amante da literatura, português e leitor dos seus mais ou menos ensaiados romances, é-me indiferente o que os outros pensam, pois para mim é um dia triste. Infelizmente, o sempre anónimo e intrincado país onde ele, nos seus livros, ensaiava como poucos, parece teimar em ultrapassar os limites da decência, e os próprios limites jocosos onde Saramago retratava as figuras do "prestígio" e do poder. O melhor que se pode fazer pela memória literária de Saramago é fazer o que ele fez: fartar-se, ir-se embora, e para nós, lamentar a sua perda.