E com esta me vou...

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...de férias. Só prometo que quando voltar em Agosto, chegarei com mais pensamentos para partilhar, mais livros para vos falar, e mais política para discutir, ou não estivéssemos nós em campanha eleitoral.

Um grande abraço a todos os leitores e boas férias

A poesia e o Estado de Coisas

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Poema pouco original do medo

O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis
Vai ter olhos onde ninguém o veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no tecto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos

O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
óptimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projectos altamente porcos
heróis
(o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários
(assim assim)
escriturários
(muitos)
intelectuais


Alexandre O´neil

Cadernos do subterrâneo

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"Oh, se ao menos tivesse permanecido ocioso por vadiagem!"

"...nunca houve em todo o mundo um homem que não quisesse conduzir-se segundo a sua vontade e não em obediência aos ditames da razão e do seu interesse."

"...sobre a História Universal (...) Há só uma coisa que não se pode dizer dela: que é prudente."

"Dizem que o trabalho torna o homem honesto e bom. Pois bem: corramos esse risco!"

"De toda essa algaraviada compreendeu o que uma mulher compreende, antes de mais, quando ama sinceramente: que eu era infeliz."

"Empenhamo-nos em ser um género de homem vulgar que nunca existiu. Nascemos mortos, há muito tempo que nascemos de pais que já não vivem, e isso agrada-nos cada vez mais. Dentro em pouco desejaremos nascer de uma ideia. Mas chega."

Citações de Cadernos do subterrâneo de Fiódor Dostoiévski

Li mais uma obra deste autor e mais uma vez gostei bastante. Este monólogo dividido em duas partes; uma de considerações sobre a própria personagem que aborda várias temáticas com teor filosófico onde a questão dominante é a Vontade e o Homem; e a segunda que é uma história deste homem, que vai no seguimento da primeira parte, e que termina de forma amplamente inacabada. No fundo, trata-se de um livro de memórias de um homem que se considera inteligente e mau. Um homem como qualquer outro, com os seus abismos, os seus conflitos. Estes conflitos são espelhados nos seus actos e só assim é possível escrever este monólogo. Uma história de actos e da explicação desses actos. Como vamos vislumbrar os "podres" da personagem, Dostoiévski utiliza a imagem do subterrâneo, daquele que faz parte de nós e que é recalcado, reprimido, e que agora se liberta para se contar.

Nota: há traduções que intitulam a mesma obra como A Voz Subterrânea

De Mau Gosto

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Nos discursos que precedem as campanhas eleitorais que se avizinham, a classe política, tem nos últimos meses associado as inevitáveis promessas eleitorais , com os discursos sobre a questão ética na política. Aproveitando-se, de forma pouco ética, da cada vez maior projecção dos casos que levam os cidadãos a afastar-se da política, os políticos prometem ética como o próximo chavão eleitoral.

Ora como cidadãos, cabe-nos avaliar o que este fenómeno quer dizer. Antes de mais, a ética é discutível, mas a sua presença na gestão da res publica não deveria ser objecto de debate, deveria ser um dado adquirido. Em segundo lugar, aclara-se perante nós que a ética só é argumento de campanha porque a mesma classe política têm agido até aos nossos dias sem ética. Por fim, prometer ética só será ético per si se for uma promessa cumprida, e daqui tirem as vossas conclusões.

Neste triste círculo vicioso, atrever-me-ia a dizer que os representantes da República em Portugal, colando as questões da honra à Monarquia anteriormente deposta, perverteram a ética ao nível burlesco. Não que este problema seja próprio de um regime, a História de Portugal é que tem destas coincidências. As convulsões insanas da Primeira República, o carácter persecutório e discricionário do Estado Novo, e o estado actual de coisas que levou ao jargão “traição das promessas de Abril”. Assim sendo, vivemos sem ética à pelo menos um século, tanto tempo que habitua. Eu por exemplo, acho de mau gosto a classe política falar de ética. Era relíquia, e como se quer nas relíquias, só são boas para quem as aprecia. Por favor, não a tirem do museu; é que antes num museu onde os justos a possam visitar, do que aí aos pontapés nas arruadas.

Estoirando como o foguete

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Problemas de calendário voltam impedir-me de participar numa das semanas mais aguardadas do ano: o Bodo. Desta feita a minha presença resumirá-se ao último dia, Segunda-Feira. Assim vai a vida deste malfadado estudante que por aqui vos vai escrevendo com amizade.

Rasgar a Política de Verdade

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No final da semana passada, alguns jornalistas confrontaram Manuela Ferreira Leite com algumas supostas incoerências. Em particular, a SIC, gravou e apresentou declarações de Ferreira Leite contraditórias; as actuais onde Ferreira Leite diz que não quer rasgar nada, e as anteriores onde Ferreira Leite promete rasgar todas as políticas económicas e sociais do actual governo. Ao que parece, Ferreira Leite voltou-se a exprimir mal, desculpa usada de forma avulsa, sempre que Ferreira Leite se sente traída, por si própria, entenda-se. Dar-se-á mesmo o caso de se poder fazer o retrato robô de dois políticos; o da Manuela de rigor, de transparência, telefonista, verdadeira D.Quixote com o seu fiel escudeiro Sancho (Paulo Rangel) Pança, chocada com as ludibriantes palavras de Sócrates e alternativa de verdade para Portugal (tanto que até rasga com a actualidade); e depois a Ferreira Leite dos lapsos lingue, a que de rigor tem os 7% de Défice, a que de transparência tem a venda do património para ocultação contabilística, uma figura de todos os últimos governos PSD, a Sancho Pança de um Quixote em tempos Cavaco Silva, e a enganadora que se revela quando se engana e quando se enfurece.

Já esteve sozinha, que isto dos partidos políticos é o Diabo! Já não está. Muitos dos que à muito excomungaram Sócrates, comungam “à bruta” com Ferreira Leite. Gravitam em torno dela, aspirantes que têm passado político, ainda que alguns deles nem possam mais gravitar (Dias Loureiro). Vai aquecendo motores e acalentando esperanças, Morais Sarmento, Miguel Frasquilho ou Aguiar Branco por exemplo, lutam por uma pole position, e assim se vai fazendo um partido… igual aos outros.

Sim porque isto da diferença é paleio! Ora reparem lá na Ferreira Leite abatida do ante Europeias e a Ferreira Leite convicta e abrupta do pós europeias. Já cheira a poder, qual afrodisíaco… Anda revigorada e sai-lhe pelos entrefolhos verdades que ela heroicamente esconde até às eleições. Foi no meio de toda esse destempero proporcionado pelo cheiro do poder que Ferreira Leite se revelou novamente. Afinal não disse o que disse; ou esperem, disse mas as palavras que diz não têm significado à letra; ou esperem, o que ela queria dizer não era que ia rasgar mas que ia fazer o que PS anuncia sem fazer; ou esperem, rasgou a Política de Verdade.

Uma bela Pachec(ada)

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Pacheco Pereira têm agora um programa que eu aprecio bastante, pois acho-o diferente, saudável e até necessário em certa medida.

Desconfio do carácter pedagogo e lúdico do Ponto contra Ponto (perdõem-me mas o meu teclado não tem R´s ao contrário...) primeiro porque quem ensina é bem intencionado, e segundo porque Pacheco não faz daquele programa um fórum. Contudo, tirando os laivos sectários e os "exemplos" sempre vincadamente facciosos, gosto de ver. E a sua propensão, ainda que sempre a mesma, não lhe fez perder a razão nesse programa, até ver. Acresce a isto que ele desde logo avisou que ia adoptar uma postura Vital Moreira´s profile, que é como quem diz, o que eu digo é inteligente e necessário, quem quiser que apanhe.

Para além do programa, Pacheco desenvolve outras actividades comunicacionais bem ao seu estilo polifónico. É desta outra actividade que vos recomendo a leitura, uma vez que quando Pacheco se abstrai da política, volta a ser o pensador que o caracterizou, aquando da ruptura com o PSD, era eu bem pequeno. Assim, leiam este artigo, até porque traz um estilo de escrita diferente para melhor do que o que é costume, ainda que não duvide que tenha sido Pacheco a escrevê-lo.
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Se houvesse prémios na blogosfera, se eu humildemente colocasse o meu voto, talvez o colocasse aqui. Não sei, mas o que é facto é que depois de ler este post, lembrei-me que seriam justas tais distinções.

Caritas in Veritate

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A nova encíclica do Papa que sairá amanhã é a primeira que versa sobre temas sociais. A ideia principal do texto, ao que Bento XVI deixou deslindar, é que a crise actual deve-se ao facto do mercado ter perdido os valores e ter substituído Deus pelo apelidado de "deus dinheiro". A encíclica promete ser a marca social deste Papa e as indicações parecem ser óptimas, uma vez que leva a Igreja a encarar de frente problemas bem terrenos, ao contrário do que tem sido habitual, prometendo adesão e sobretudo debate ético.

Caso para dizer Deo Gratias...

Vai mais um que só 14 é pouco...

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Sem continuar a jogar o que jogou entre 2005 e 2007 Federer completou hoje o seu 15º Grand Slam, o sexto em Wimbledon para se colocar no lugar devido, #1

Clara declaração de intenções sujas

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Há quem não esteja de acordo com a medida tomada pelo PS, e já antes tomada pelo PSD, de limitar as candidaturas a uma, isto é, os candidatos ou são candidatos às Câmaras, ou são candidatos à Assembleia da República. O que não espanta é que de entre os críticos, apenas constem deputados do PS que entretanto já se lançaram numa candidatura a Câmaras Municipais. Dizem estas pessoas que "não se podem mudar as regras do jogo a meio" e que "a clareza democrática não sai beneficiada com isto". Que querem dizer? Que se soubessem anteriormente já não se candidatavam às Câmaras? Que vêem a Assembleia da República como uma espécie de concurso público para arranjar emprego? Infelizmente penso que é isso que querem dizer...

Assim sendo, as populações não devem votar nestes novos "autarcas a contra gosto" e os partidos devem-se questionar das verdadeiras motivações dos Deputados que apresentam nas listas às Legislativas.

A justeza não tem palas

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Com tanta falta de exemplo, esta despedida, pelo gesto construtivo e apaziguador, merece todo o crédito e respeito. Ontem a Assembleia da República provou que houvesse Rambo e ele andava por São Bento. A "rasteirice" a que chegou o debate político na Câmara da Democracia é tão insultuoso como nefasto. Exige-se outra postura, outra clareza e outra rectidão. Por tudo isso, todas as posições não inquinadas são louváveis. Rangel foi recto ao despedir-se. Foi sempre um fidelíssimo defensor das suas ideias, um brilhante parlamentar do PSD e do Neoliberalismo Português.

Com toda a boa vontade democrática desejo a Rangel um bom e sério desempenho no Parlamento Europeu, pela Europa, e se puder ser, por Portugal.

Considerações sobre arte: O contributo de Gógol

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O prometido é devido; assim sendo lancemo-nos na dissecação da Arte tal como Nikolai Gógol a meditou: conceito, percurso e ameaças.

Conceito de Arte

Para ser Arte não basta ser qualquer objecto que nos desperte curiosidade. Segundo Gógol, a Arte necessita do engenho do artista e acima de tudo necessita do artista. Da alma do artista! Para Gógol o artista tem de estudar artes para explanar no belo os sentimentos e impressões íntimas, os seus conceitos pessoais, o calor humano das sensações. Quando Gógol pensou na Arte, no seu espaço e suas expressões e qualidades indissociáveis, pensou que um quadro inacabado feito com total entrega do artista é mais arte que a mais bela das paisagens friamente retratadas.

Percurso do artista, alcançar a Arte


No entender de Gógol o artista alcança a plenitude quando a sua concentração na obra tornou o seu mundo hermeticamente fechado. Ser artista não é um trabalho das nove às cinco, é viver no mundo da Arte. Para além do enfoque dado à concentração, Gógol não despreza o conceito de talento, bem pelo contrário, tem-no como o aspecto “mágico” que distingue. Gógol diz mesmo que sem talento a arte torna-se o “artesanato da arte”.

Ameaças à Arte

De facto, para além do seu mundo místico e do seu estupendo talento literário, Gógol, pese o facto do seu obscurantismo religioso, era um escritor com grande visão. Por isso, em “O Retrato” estabelece todo um conjunto de perigos que rodeiam o artista, ameaçando assim a Arte. Todos eles são de incrível actualidade, e alguns bem mais patentes nos nossos dias do que no São Petersburgo do séc. XIX. Destaco o perigo da social, o perigo do crescimento e o perigo económico. O perigo social consiste na pressão de que o artista é vítima. Assim, a moda e a ignorância artística do público pressiona a que a Arte se estandardize, ou por outra, se desconstrua enquanto expressão do artista. A pressão popular leva ainda à produção em série de obras, algo contraditório ao que definimos como conceito de Arte. O perigo económico está também muito ligado ao social. A situação económica influi nos estados de alma do artista. Um estado de pobreza levará a produzir o que outros querem em detrimento de si próprio. Os estados de riqueza são um incentivo ao ócio e à perda de virtude, implicando uma fuga ao mundo hermeticamente fechado da Arte. No caso descrito em “O Retrato” o artista pobre torna-se miraculosamente rico e procurando alcançar cada vez mais riqueza distancia-se da Arte e cola-se às modas da alta sociedade. Por fim o perigo do crescimento está associado ao amor pelas riquezas, à perda de espontaneidade, ao conformismo, ao egoísmo e ao endurecimento do coração. Em Gógol esta ideia está sublimemente expressa e identifica o quão difícil é ser artista sem reservas ao longo de uma vida inteira.

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"Repara, quantos desgraçados há neste mundo, quantas lágrimas, quantas penas, quantos dias sem sol! E eu, em troca... Eu, em troca, tenho o amor de uma mulher como essa..."

"Eu nunca fui ingrato(...) Mas quando não consigo exprimir o que sinto, é como se... como se pudessem julgar que eu sou efectivamente um ingrato, e isso dá cabo de mim!"

"Pelos vistos, a felicidade tinha-o trasntornado; sim, era isso, a felicidade."

"...Vássia sentia-se inferiorizado e indigno da sua felicidade..."

Citações de Um coração Débil de Fiódor Dostoiévski

Este pequeníssimo livro (cerca de 90 páginas) da fase inicial da escrita de Dostoiévski é um constante retrato febril das emoções humanas. É por isso, sufocante, exacerbado, pulsante, irrequieto nas entranhas, turbulento, enfim, é Dostoiévski começando a sua carreira de escritor de interiores humanos. A narração é toda ela excessiva, disforme e absolutamente irreal. Algo calustrofóbico, porque apenas duas personagens tem verdadeiro relevo, o que só não o torna esgotante porque é curto. Acima de tudo expõem a febre sentimental, o torrencial de sentimentos que nos oprimem, e esse mesmo efeito opressor. Levantando um pouco o véu, neste caso os sentimentos que Dostoiévski quase ensaia neste livro são o sentimento de culpa e de responsabilidade. O personagem principal é vítima de um carácter frágil onde o senso de responsabilidade que sente perante os outros o esmaga, uma vez que ele é adorado por todos. O medo de desiludir os que o amam transtorna-o. Muito curto, é o ideal para quem não goste de Dostoiévski e apenas pretendar dar uma olhadela na obra deste Incontornável.

Ao menos isso

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Ao menos demitiu-se. Ao menos a demissão foi aceite. Ao menos sempre que acharmos tudo obscenamente insano lembremo-nos que ainda à quem peça a demissão, nem que seja por esse simplório e meramente aparente ess muss sein.

Quanto ás questões de causa, parecem causas vencidas, assassinatos da ignomínia em que se transformou a nossa vida política. O abandono da política das causas, em prol da política dos gestos e da imagem como retrato da infame forma de fazer política em Portugal.