O horizonte da alma V

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Fazer de cada perda uma raiz
E improvavelmente ser feliz...

Versos de "Insónia" de José Mário Branco

A noite de uma sexta-feira qualquer

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Hoje é sexta-feira, e a noite caiu à já algumas horas. Eis o momento preferido da semana! Não é que eu seja um espírito ocioso, nada disso, mas quantos de vós já reparam como são agradáveis as sextas-feiras à noite? Provavelmente todos já o repararam, pois é algo por demais evidente! Todos estão bem dispostos com a perspectiva de um grande fim-de-semana, mais que não seja porque será um fim-de-semana que como tantos outros, será pautado pelos sonhos medíocres, contudo sonhos, que construímos para as futuras quarenta e oito horas. Todos estão bem dispostos por isso, e por sentirem que chegou o momento em que finalmente temos aquele “tempo para mim” que todos reclamam, com todo o direito, ser sua pertença natural.

Afinal de contas, as sextas-feiras à noite escrevem-se de momentos onde todos compram boa disposição e onde a leveza de espírito nos põem como balões de hélio pairando no tecto de um bar ou casa de um amigo para tomar um serão diferente, que por mais aborrecido que possa vir a calhar, é um serão onde as promessas são sempre maiores que os acontecimentos. No fundo, é esta a magia das noites de sexta-feira!

A sexta-feira tem o toque de Midas de fazer de todos os nossos pequenos caprichos e desejos de tempo, promessas cumpridas ali e no momento, a partir da passagem da porta do escritório, atelier, universidade, garagem, loja… Como se chegar a esta data cíclica da semana fosse ter a sorte de sete dias após sete dias, encontrar uma lamparina mágica de onde um génio dá-nos “ás quarenta e oito unidades” doses do que mais ambicionamos: tempo.

Não interessa para quê, todos nós precisamos de tempo.

Peço desculpa a quem tenha perdido algum tempo, mesmo que parcos minutos do seu fim-de-semana, a ler este texto, porque ele de facto, foi para cada um dos leitores, só mais um daqueles projectos de fim-de-semana em que a expectativa foi incomensuravelmente superior ao seu desenrolar. Na verdade não disse nada de novo, nem redisse nenhum conselho tradicional. Apenas me encontrei sem nada para fazer e entediado fiz então o que mais gosto, escrever. Para mim, e para todos aqueles que tenham perdido este pedaço de fim-de-semana, a ler este texto onde me pus a entreter a minha noite de sexta-feira, fazendo mais um pouco daquilo que tanto gosto de fazer.


Fiquem bem

Baloiçando

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Como precisava de caber num baloiço de madeira,
Feito delicadamente para uma criança.
Um baloiço sem acabamentos que não fossem a imaginação,
E eu fosse a tábua do seu descanso,
Num baloiço gasto de infância.
Como me faz falta a leveza de balouçar,
E abraçar esse balanço que abraçava,
Num só lanço que se esgotou.

Quero brincar…
Quero ir de encontro a essa impossibilidade,
Que é caber no baloiço do sonho ligeiro.
Fazer um voo suspenso pelo o cordel,
Como quem se joga à memória,
Ficando perpetuamente…

O baloiço onde baloiçava,
Numa cadência invisível,
Era o meu gesto repetido e feliz.

Pedro Carvalho

Se querem saber de mim...

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A única conclusão plausível e justa a tirar a meu respeito é a de que sou um tipo despenteado. Tudo o resto segue por defeito, uma inevitável arbitrariedade que consiste na análise que outro faz de mim através de momentos particulares.
E então quando estou só?
E então quando a noite é pensante, eu adormeço no cansaço da lua, já raia o dia?
Quem me conhecerá melhor?
Desconheço. Mas é certamente alguém que comigo esteve no outro lado de mim.

E recordar é viver...

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A matriz é a mesma de sempre. Essa que podia ser bem diferente, manteve-se intacta em todo este tempo que já passou. É verdade, já passou tempo suficiente para tanta coisa mudar... Inclusivamente a minha matriz de identidade, que caso mudasse não seria uma ilegitimidade, contudo, permitam-me a imodéstia, seria um desperdício. Muita coisa mudou e está mudando, nem que seja pela regra elementar de "Todo o mundo ser composto de mudança".
Aqui fica um pouco do meu baú de recordações, tempos em que tudo senti em doses excessivas, tempos em que o excesso era sintoma, vivência, crença e a construção de tantas coisas que hoje prezo. Convicto que este post é um abraço forte ao passado e a todos que dele fizeram parte no blog http://FantasmasdoPassado.blogspot.com, do qual tenho um imenso orgulho, aqui ficam alguns momentos, que por hoje ter recordado, achei de toda a lealdade partilhar com os mesmos de sempre porque "recordar é viver".

http://fantasmasdopassado.blogspot.com/2006/11/cai-chuva-alm.html

http://fantasmasdopassado.blogspot.com/2006/09/amigo-no-me-digais-adeus.html

http://fantasmasdopassado.blogspot.com/2006/05/histria-dos-mais-alm.html

http://fantasmasdopassado.blogspot.com/2006/05/oliveiras-de-vida.html

Tantos e tantos outros... Por hoje estes. E o de sempre, Fiquem bem.

O horizonte da alma IV

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E tudo porque me sinto lançado ao precalço.


A Humanidade de uma bicicleta inútil

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Para que me vens chamar ao reboliço?
Para que me queres desfilando no passadiço?

Não vês que não tenho habilitação para a tua precisão?
Deixa-me encostado a quem velho na esperança esteja,
E já não espere de ti nem de ninguém,
Que é a condição essencial para se saber esperar…

Que sabes tu da minha juventude e da minha história?
Nunca fui de corrida,
Nunca me lancei em alinhos ordinais.
Vens me convidar para a meta?
Tenho todo o direito a não querer vencer.
Não vou.

Deixa-me ao canto,
Se tiver a subsistência e a poesia,
Deixa-me ao canto.



Pedro Carvalho

É dificil

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Hoje acordei e senti-me sozinho
Um barco sem vela
Um corpo sem linho.
Amanheci e vesti-me de preto,
Um gesto cansado
O olhar no deserto.

Quando todos vão dormir
É mais fácil desistir.
Quando a noite esta a chegar
É difícil não chorar.

Eu não quero sera luz que já não sou,
Não quero ser primeiro
Sou o tempo que acabou.
Eu não quero ser
As lágrimas que vês,
Não quero ser primeiro
Sou um barco nas marés.



Adormeci
Sem te ter a meu lado,
Um corpo sem alma
Guitarra sem fado.
Um sonho na noite
E olhei-me ao espelho,
Umas mãos de criança
Num rosto de velho.

Quando todos vão dormir
É mais fácil desistir,
Quando a noite esta a chegar
É difícil não chorar.


Pedro Abrunhosa

Metáforas de luz. E porque não?

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E ás vezes, dou por mim neste infortúnio,
De ter na busca a certeza mais leve das coisas,
E nos achados que busco,
Verdades de desconsolo irrefutável.

Apetece-me não ter encontros.
Não quero conhecer mais de mim mesmo.
Deixem-me dormir de pensamento fechado.
Não me quero desvendar,
Talvez seja eu, tão só o meu arrependimento.


Pedro Carvalho