Bernanke, Krugman e a Europa

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Nas leituras dos jornais internacionais lêem-se algumas notícias curiosas. Desde o início da semana destaco quatro.

A primeira é a entrevista dada pelo presidente do FED, Mr. Bernanke, ao programa "60 minutos" de uma grande estação norte-americana. A ideia geral, intencionalmente vincada pelo responsável prendia-se com o horizonte de recuperação da crise. Segundo Bernanke, 2010 será um ano de recuperação, prevendo que a recessão chegará ao fim em 2009. Coloco duas objecções, ou por outra, desconfianças a esta intervenção. Os bancos e reservas mundiais começam a ter muito pouca margem de manobra e não sei até que ponto esta mensagem optimista não será uma tentativa de espevitar o consumo e acelerar a economia através da procura, leia-se, os consumidores. Dado que a entrevista foi a um programa de televisão, talvez tenha sido uma tentativa com traços de desespero.

Contrapôs de imediato Paul Krugman, Nobel da Economia 2008. Segundo ele, a crise é muito mais grave. No que ao comportamento dos governos diz respeito os EUA estão a fazer pouco e a Europa está a fazer “um pouco menos da metade de que precisa” citando palavras do próprio. Já se conhecia os instintos de Krugman desde a sua carta aberta a Obama, mas manifestar tamanhas preocupações no que à Europa concerne, em plena Bruxelas, é mais um passo para a desconfiança com que temos de olhar para a “miragem” da recuperação económica fácil. Krugman referiu também que mesmo que tecnicamente a crise acabe em 2009, o exercício simples de voltar ao nível de desemprego de 2007 poderá demorar anos. Tal como aliás se passou na crise japonesa dos anos 90.

Entretanto, Sarkozy enfrentará uma greve que pede maior tributação para os mais ricos e o levantamento de uma série de questões na ordem do financiamento do SNS francês. Isto é o tipo de greve que só existe em França! Uma greve rica em argumentos, uma greve que tem porque lutar, e não uma simples greve que por acaso até faz ponte com o fim-de-semana. Os politizados sindicatos portugueses têm muito que aprender com os seus homónimos gauleses… Sarkozy respondeu às críticas com um chavão eleitoralista: “Não fui eleito para aumentar impostos.”. O Presidente da República Francesa é em minha opinião um político hábil. Considero-o até um bom político, como ficou provado na gestão do “dossier Geórgia”, mas na realidade os problemas que fragmentam o tecido social pedem um estadista que Sarkozy não parece ter estofo para ser. Ainda para mais em França, um país onde o equilíbrio do tecido social é instável, quer pela recente repulsa aos Magrebinos, quer por toda a questão cultural subjacente a 1789 que saudavelmente conduz a greves com conteúdo ideológico, ou seja, as mais difíceis de contestar pelo poder político.

Por último a actuação de Durão Barroso em resposta ao pessimismo (ainda que desafiante) da palestra de Krugman. Não se discute aqui se Krugman tem razão, até porque ninguém está capaz de o assegurar, a tónica está antes na possibilidade de cada um de nós ter a liberdade de opinar, algo que na chefia política se transforma na obrigação de opinar, agindo. Durão Barroso, ao alinhar de forma consistentemente assertiva com os chefes de estado das potências europeias, assina de cruz um destino. Tanto pode ficar na História como um político reflectido em tempos de crise, como ficar com o ónus da cumplicidade de uma grande depressão europeia.

1 horizontes dispersos:

João Gante disse...

Partilho da tua análise aos comentários dos dois peritos económicos. Acho, aliás - e isto é mais para Bernanke - que estas tentativas de influenciar a economia com declarações de algum irrealismo são facilmente desmascaradas pelos agentes económicos. Quando provêm de alguém com um cargo tão importante como Bernanke, então é provável que a reacção seja de desânimo perante o que parece um embrulho bonito para a impotência.

Quanto à França, apesar de concordar que há algo de inspirador na mobilização que só aquela sociedade consegue em torno de causas sociais, preocupa-me o eterno Maio de 68 que às vezes se parece viver no país. Por outro lado, a ideia de aumentar impostos sobre os ricos não é uma causa que mereça a minha compreensão, já que acredito no escalonamento actual da taxação.

Por fim, Durão Barroso. O José Manuel demonstrou falta de espinha dorsal ao abandonar o governo de Portugal Nunca desmentiu essa falta. É uma cara por cima dos ombros dos que são líderes. E, na Europa de hoje, mesmo esses não são grande coisa.