Boas festinhas
E este blog ficará, como uma prenda por abrir, até Janeiro, assim não apareça nada em contrário. Depois bem se vê: há sempre que continuar.
Um abraço fraterno aos leitores
1º O primeiro dia - Sérgio Godinho
A princípio é simples anda-se sozinho
passa-se nas ruas bem devagarinho
está-se bem no silêncio e no borborinho
bebe-se as certezas num copo de vinho
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
Pouco a pouco o passo faz-se vagabundo
dá-se a volta ao medo e dá-se a volta ao mundo
diz-se do passado que está moribundo
bebe-se o alento num copo sem fundo
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
E é então que amigos nos oferecem leito
entra-se cansado e sai-se refeito
luta-se por tudo o que se leva a peito
bebe-se e come-se se alguém nos diz bom proveito
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
Depois vem cansaços e o corpo frequeja
molha-se para dentro e já pouco sobeja
pede-se o descanso por curto que seja
apagam-se duvidas num mar de cerveja
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
E enfim duma escolha faz-se um desafio
enfrenta-se a vida de fio a pavio
navega-se sem mar sem vela ou navio
bebe-se a coragem até dum copo vazio
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
Entretanto o tempo fez cinza da brasa
outra maré cheia virá da maré vaza
nasce um novo dia e no braço outra asa
brinda-se aos amores com o vinho da casa
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
Sérgio Godinho
2º FMI -José Mário Branco
O grito de José Mário Branco, muito mais do que uma cantiga, é um hino ao desengano . Um hino de viva voz. JMB faz uso da sua ironia para, com inegável actualidade, falar da sua desesperança, do oportunismo alheiro, do fim das promessas de Abril e, acima de tudo, de si próprio. Um texto a vários tons - de onde destaco o apelo à mãe e o diálogo em que clama a felicidade - sempre muito vivo, muito presente, muito perto. Haveria muitas palavras para dedicar a este texto. Esta é, a minha simples homenagem.
Cachucho não é coisa que me traga a mim
Mais novidade do que lagostim
Nariz que reconhece o cheiro do pilim
Distingue bem o mortimor do meirim
A produtividade, ora aí está, quer dizer
Há tanto nesta terra que ainda está por fazer
Entrar por aí a dentro, analisar, e então
Do meu 'attachi-case' sai a solução!
FMI Não há graça que não faça o FMI
FMI O bombástico de plástico para si
FMI Não há força que retorça o FMI
Discreto e ordenado mas nem por isso fraco
Eis a imagem 'on the rocks' do cancro do tabaco
Enfio uma gravata em cada fato-macaco
E meto o pessoal todo no mesmo saco
A produtividade, ora aí está, quer dizer
Não ando aqui a brincar, não há tempo a perder
Batendo o pé na casa, espanador na mão
É só desinfectar em superprodução!
FMI Não há truque que não lucre ao FMI
FMI O heróico paranóico 'hara-quiri'
FMI Panegírico, pro-lírico daqui
Palavras, palavras, palavras e não só
Palavras para si e palavras para dó
A contas com o nada que swingar o sol-e-dó
Depois a criadagem lava o pé e limpa o pó
A produtividade, ora nem mais, célulazinhas cinzentas
Sempre atentas
E levas pela tromba se não te pões a pau
Num encontrão imediato do 3º grau!
FMI Não há lenha que detenha o FMI
FMI Não há ronha que envergonhe o FMI
FMI ...
Entretém-te filho, entretém-te, não desfolhes em vão este malmequer que bem-te-quer, mal-te-quer, vem-te-quer, ovomalt'e-quer, messe gigantesca, vem-te vindo, vi-me na cozinha, vi-me na casa-de-banho, vi-me no Politeama, vi-me no Águia D'ouro, vi-me em toda a parte, vem-te filho, vem-te comer ao olho, vem-te comer à mão, olha os pombinhos pneumáticos que te orgulham por esses cartazes fora, olha a Música no Coração da Indira Gandi, olha o Muchê Dyane que te traz debaixo d'olho, o respeitinho é muito lindo e nós somos um povo de respeito, né filho? Nós somos um povo de respeitinho muito lindo, saímos à rua de cravo na mão sem dar conta de que saímos à rua de cravo na mão a horas certas, né filho? Consolida filho, consolida, enfia-te a horas certas no casarão da Gabriela que o malmequer vai-te tratando do serviço nacional de saúde. Consolida filho, consolida, que o trabalhinho é muito lindo, o teu trabalhinho é muito lindo, é o mais lindo de todos, como o astro, não é filho? O cabrão do astro entra-te pela porta das traseiras, tu tens um gozo do caraças, vais dormir entretido, não é? Pois claro, ganhar forças, ganhar forças para consolidar, para ver se a gente consegue num grande esforço nacional estabilizar esta destabilização filha-da-puta, não é filho? Pois claro! Estás aí a olhar para mim, estás a ver-me dar 33 voltinhas por minuto, pagaste o teu bilhete, pagaste o teu imposto de transação e estás a pensar lá com os teus botões: Este tipo está-me a gozar, este gajo quem é que julga que é? Né filho? Pois não é verdade que tu és um herói desde de nascente? A ti não é qualquer totobola que te enfia o barrete, meu grande safadote! Meu Fernão Mendes Pinto de merda, né filho? Onde está o teu Extremo Oriente, filho? Ah-ni-qui-bé-bé, ah-ni-qui-bó-bó, tu és 'Sepuldra' tu és Adamastor, pois claro, tu sozinho consegues enrabar as Nações Unidas com passaporte de coelho, não é filho? Mal eles sabem, pois é, tu sabes o que é gozar a vida! Entretém-te filho, entretém-te! Deixa-te de políticas que a tua política é o trabalho, trabalhinho, porreirinho da Silva, e salve-se quem puder que a vida é curta e os santos não ajudam quem anda para aqui a encher pneus com este paleio de Sanzala e ritmo de pop-xula, não é filho?
A one, a two, a one two three
FMI dida didadi dadi dadi da didi
FMI ...
Come on you son of a bitch! Come on baby a ver se me comes! Come on Luís Vaz, 'amanda'-lhe com os decassílabos que os senhores já vão ver o que é meterem-se com uma nação de poetas! E zás, enfio-te o Manuel Alegre no Mário Soares, zás, enfio-te o Ary dos Santos no Álvaro de Cunhal, zás, enfio-te o Zé Fanha no Acácio Barreiros, zás, enfio-te a Natalia Correia no Sá Carneiro, zás, enfio-te o Pedro Homem de Melo no Parque Mayer e acabamos todos numa sardinhada ao integralismo Lusitano, a estender o braço, meio Rolão Preto, meio Steve McQueen, ok boss, tudo ok, estamos numa porreira meu, um tripe fenomenal, proibido voltar atrás, viva a liberdade, né filho? Pois, o irreversível, pois claro, o irreversívelzinho, pluralismo a dar com um pau, nada será como dantes, agora todos se chateiam de outra maneira, né filho? Ora que porra, deixa lá correr uma fila ao menos, malta pá, é assim mesmo, cada um a curtir a sua, podia ser tão porreiro, não é? Preocupações, crises políticas pá? A culpa é dos partidos pá! Esta merda dos partidos é que divide a malta pá, pois pá, é só paleio pá, o pessoal na quer é trabalhar pá! Razão tem o Jaime Neves pá! (Olha deixaste cair as chaves do carro!) Pois pá! (Que é essa orelha de preto que tens no porta-chaves?) É pá, deixa-te disso, não destabilizes pá! Eh, faz favor, mais uma bica e um pastel de nata. Uma porra pá, um autentico desastre o 25 de Abril, esta confusão pá, a malta estava sossegadinha, a bica a 15 tostões, a gasosa a sete e coroa... Tá bem, essa merda da pide pá, Tarrafais e o carágo, mas no fim de contas quem é que não colaborava, ah? Quantos bufos é que não havia nesta merda deste país, ah? Quem é que não se calava, quem é que arriscava coiro e cabelo, assim mesmo, o que se chama arriscar, ah? Meia dúzia de líricos, pá, meia dúzia de líricos que acabavam todos a fugir para o estrangeiro, pá, isto é tudo a mesma carneirada! Oh sr. guarda venha cá, á, venha ver o que isto é, é, o barulho que vai aqui, i, o neto a bater na avó, ó, deu-lhe um pontapé no cu, né filho? Tu vais conversando, conversando, que ao menos agora pode-se falar, ou já não se pode? Ou já começaste a fazer a tua revisãozinha constitucional tamanho familiar, ah? Estás desiludido com as promessas de Abril, né? As conquistas de Abril! Eram só paleio a partir do momento que tas começaram a tirar e tu ficaste quietinho, né filho? E tu fizeste como o avestruz, enfiaste a cabeça na areia, não é nada comigo, não é nada comigo, né? E os da frente que se lixem... E é por isso que a tua solução é não ver, é não ouvir, é não querer ver, é não querer entender nada, precisas de paz de consciência, não andas aqui a brincar, né filho? Precisas de ter razão, precisas de atirar as culpas para cima de alguém e atiras as culpas para os da frente, para os do 25 de Abril, para os do 28 de Setembro, para os do 11 de Março, para os do 25 de Novembro, para os do... que dia é hoje, ah?
FMI Dida didadi dadi dadi da didi
FMI ...
Não há português nenhum que não se sinta culpado de qualquer coisa, não é filho? Todos temos culpas no cartório, foi isso que te ensinaram, não é verdade? Esta merda não anda porque a malta, pá, a malta não quer que esta merda ande, tenho dito. A culpa é de todos, a culpa não é de ninguém, não é isto verdade? Quer isto dizer, há culpa de todos em geral e não há culpa de ninguém em particular! Somos todos muita bons no fundo, né? Somos todos uma nação de pecadores e de vendidos, né? Somos todos, ou anti-comunistas ou anti-faxistas, estas coisas até já nem querem dizer nada, ismos para aqui, ismos para acolá, as palavras é só bolinhas de sabão, parole parole parole e o Zé é que se lixa, cá o pintas azeite mexilhão, eu quero lá saber deste paleio vou mas é ao futebol, pronto, viva o Porto, viva o Benfica, Lourosa, Lourosa, Marraças, Marraças, fora o arbitro, gatuno, bora tudo p'ro caralho, razão tinha o Tonico de Bastos para se entreter, né filho? Entretém-te filho, com as tuas viúvas e as tuas órfãs que o teu delegado sindical vai tratando da saúde aos administradores, entretém-te, que o ministro do trabalho trata da saúde aos delegados sindicais, entretém-te filho, que a oposição parlamentar trata da saúde ao ministro do trabalho, entretém-te, que o Eanes trata da saúde à oposição parlamentar, entretém-te, que o FMI trata da saúde ao Eanes, entretém-te filho e vai para a cama descansado que há milhares de gajos inteligentes a pensar em tudo neste mesmo instante, enquanto tu adormeces a não pensar em nada, milhares e milhares de tipos inteligentes e poderosos com computadores, redes de policia secreta, telefones, carros de assalto, exércitos inteiros, congressos universitários, eu sei lá! Podes estar descansado que o Teng Hsiao-Ping está a tratar de ti com o Jimmy Carter, o Brezhnev está a tratar de ti com o João Paulo II, tudo corre bem, a ver quem se vai abotoar com os 25 tostões de riqueza que tu vais produzir amanhã nas tuas oito horas. A ver quem vai ser capaz de convencer de que a culpa é tua e só tua se o teu salário perde valor todos os dias, ou de te convencer de que a culpa é só tua se o teu poder de compra é como o rio de S. Pedro de Moel que se some nas areias em plena praia, ali a 10 metros do mar em maré cheia e nunca consegue desaguar de maneira que se possa dizer: porra, finalmente o rio desaguou! Hão te convencer de que a culpa é tua e tu sem culpa nenhuma, tens tu a ver, tens tu a ver com isso, não é filho? Cada um que se vá safando como puder, é mesmo assim, não é? Tu fazes como os outros, fazes o que tens a fazer, votas à esquerda moderada nas sindicais, votas no centro moderado nas deputais, e votas na direita moderada nas presidenciais! Que mais querem eles, que lhe ofereças a Europa no natal?! Era o que faltava! É assim mesmo, julgam que te levam de mercedes, ora toma, para safado, safado e meio, né filho? Nem para a frente nem para trás e eles que tratem do resto, os gatunos, que são pagos para isso, né? Claro! Que se lixem as alternativas, para trabalho já me chega. Entretém-te meu anjinho, entretém-te, que eles são inteligentes, eles ajudam, eles emprestam, eles decidem por ti, decidem tudo por ti, se hás-de construir barcos para a Polónia ou cabeças de alfinete para a Suécia, se hás-de plantar tomate para o Canada ou eucaliptos para o Japão, descansa que eles tratam disso, se hás-de comer bacalhau só nos anos bissextos ou hás-de beber vinho sintético de Alguidares-de-Baixo! Descansa, não penses em mais nada, que até neste país de pelintras se acho normal haver mãos desempregadas e se acha inevitável haver terras por cultivar! Descontrai baby, come on descontrai, arrefinfa-lhe o Bruce Lee, arrefinfa-lhe a macrobiótica, o biorritmo, o euroscópio, dois ou três ofeneologistas, um gigante da ilha de Páscoa e uma Grace do Mónaco de vez em quando para dar as boas festas às criancinhas! Piramiza filho, piramiza, antes que os chatos fujam todos para o Egipto, que assim é que tu te fazes um homenzinho e até já pagas multa se não fores ao recenseamento. Pois pá, isto é um país de analfabetos, pá! Dá-lhe no Travolta, dá-lhe no disco-sound, dá-lhe no pop-xula, pop-xula pop-xula, iehh iehh, J. Pimenta forever! Quanto menos souberes a quantas andas melhor para ti, não te chega para o bife? Antes no talho do que na farmácia; não te chega para a farmácia? Antes na farmácia do que no tribunal; não te chega para o tribunal? Antes a multa do que a morte; não te chega para o cangalheiro? Antes para a cova do que para não sei quem que há-de vir, cabrões de vindouros, ah? Sempre a merda do futuro, a merda do futuro, e eu ah? Que é que eu ando aqui a fazer? Digam lá, e eu? José Mário Branco, 37 anos, isto é que é uma porra, anda aqui um gajo cheio de boas intenções, a pregar aos peixinhos, a arriscar o pêlo, e depois? É só porrada e mal viver é? O menino é mal criado, o menino é 'pequeno burguês', o menino pertence a uma classe sem futuro histórico... Eu sou parvo ou quê? Quero ser feliz porra, quero ser feliz agora, que se foda o futuro, que se foda o progresso, mais vale só do que mal acompanhado, vá mandem-me lavar as mãos antes de ir para a mesa, filhos da puta de progressistas do caralho da revolução que vos foda a todos! Deixem-me em paz porra, deixem-me em paz e sossego, não me emprenhem mais pelos ouvidos caralho, não há paciência, não há paciência, deixem-me em paz caralho, saiam daqui, deixem-me sozinho, só um minuto, vão vender jornais e governos e greves e sindicatos e policias e generais para o raio que vos parta! Deixem-me sozinho, filhos da puta, deixem só um bocadinho, deixem-me só para sempre, tratem da vossa vida que eu trato da minha, pronto, já chega, sossego porra, silêncio porra, deixem-me só, deixem-me só, deixem-me só, deixem-me morrer descansado. Eu quero lá saber do Artur Agostinho e do Humberto Delgado, eu quero lá saber do Benfica e do bispo do Porto, eu quero se lixe o 13 de Maio e o 5 de Outubro e o Melo Antunes e a rainha de Inglaterra e o Santiago Carrilho e a Vera Lagoa, deixem-me só porra, rua, larguem-me, zórpila o fígado, arreda, 'terneio' Satanás, filhos da puta. Eu quero morrer sozinho ouviram? Eu quero morrer, eu quero que se foda o FMI, eu quero lá saber do FMI, eu quero que o FMI se foda, eu quero lá saber que o FMI me foda a mim, eu vou mas é votar no Pinheiro de Azevedo se eu tornar a ir para o hospital, pronto, bardamerda o FMI, o FMI é só um pretexto vosso seus cabrões, o FMI não existe, o FMI nunca aterrou na Portela coisa nenhuma, o FMI é uma finta vossa para virem para aqui com esse paleio, rua, desandem daqui para fora, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe...
Mãe, eu quero ficar sozinho... Mãe, não quero pensar mais... Mãe, eu quero morrer mãe.
Eu quero desnascer, ir-me embora, sem ter que me ir embora. Mãe, por favor, tudo menos a casa em vez de mim, outro maldito que não sou senão este tempo que decorre entre fugir de me encontrar e de me encontrar fugindo, de quê mãe? Diz, são coisas que se me perguntem? Não pode haver razão para tanto sofrimento. E se inventássemos o mar de volta, e se inventássemos partir, para regressar. Partir e aí nessa viajem ressuscitar da morte às arrecuas que me deste. Partida para ganhar, partida de acordar, abrir os olhos, numa ânsia colectiva de tudo fecundar, terra, mar, mãe... Lembrar como o mar nos ensinava a sonhar alto, lembrar nota a nota o canto das sereias, lembrar o depois do adeus, e o frágil e ingénuo cravo da Rua do Arsenal, lembrar cada lágrima, cada abraço, cada morte, cada traição, partir aqui com a ciência toda do passado, partir, aqui, para ficar...
Assim mesmo, como entrevi um dia, a chorar de alegria, de esperança precoce e intranquila, o azul dos operários da Lisnave a desfilar, gritando ódio apenas ao vazio, exército de amor e capacetes, assim mesmo na Praça de Londres o soldado lhes falou: Olá camaradas, somos trabalhadores, eles não conseguiram fazer-nos esquecer, aqui está a minha arma para vos servir. Assim mesmo, por detrás das colinas onde o verde está à espera se levantam antiquíssimos rumores, as festas e os suores, os bombos de lava-colhos, assim mesmo senti um dia, a chorar de alegria, de esperança precoce e intranquila, o bater inexorável dos corações produtores, os tambores. De quem é o carvalhal? É nosso! Assim te quero cantar, mar antigo a que regresso. Neste cais está arrimado o barco sonho em que voltei. Neste cais eu encontrei a margem do outro lado, Grandola Vila Morena. Diz lá, valeu a pena a travessia? Valeu pois.
Pela vaga de fundo se sumiu o futuro histórico da minha classe, no fundo deste mar, encontrareis tesouros recuperados, de mim que estou a chegar do lado de lá para ir convosco. Tesouros infindáveis que vos trago de longe e que são vossos, o meu canto e a palavra, o meu sonho é a luz que vem do fim do mundo, dos vossos antepassados que ainda não nasceram. A minha arte é estar aqui convosco e ser-vos alimento e companhia na viagem para estar aqui de vez. Sou português, pequeno burguês de origem, filho de professores primários, artista de variedades, compositor popular, aprendiz de feiticeiro, faltam-me dentes. Sou o Zé Mário Branco, 37 anos, do Porto, muito mais vivo que morto, contai com isto de mim para cantar e para o resto.
José Mário Branco
3º É difícil - Pedro Abrunhosa
Quando todos vão dormir
É mais fácil desistir
Quando a noite está a chegar
É difícil não chorar
Eu não quero ser
A luz que já não sou
Não quero ser primeiro
Sou o tempo que acabou
Eu não quero ser
As lágrimas que vez
Não quero ser primeiro
Sou um barco nas marés
Adormeci, sem te ter a meu lado
Um corpo sem alma, guitarra sem fado
Um sonho na noite e olhei-me ao espelho
Umas mãos de criança num rosto de velho
Quando todos vão dormir
É mais fácil desistir
Quando a noite está a chegar
É difícil não chorar
Eu não quero ser
A luz que já não sou
Não quero ser primeiro
Sou o tempo que acabou
Eu não quero ser
As lágrimas que vez
Não quero ser primeiro
Sou um barco nas marés
Pedro Abrunhosa
4º O pastor - Madredeus
Ai que ninguém volta
Ao que já deixou
Ninguém larga a grande roda
Ninguém sabe onde é que andou
Ai que ninguém lembra
Nem o que sonhou
E aquele menino canta
A cantiga do pastor
Ao largo ainda arde
A barca da fantasia
E o meu sonho acaba tarde
Deixa a alma de vigia
Ao largo ainda arde
A barca da fantasia
E o meu sonho acaba tarde
Acordar é que eu não queria
Ao largo ainda arde
A barca da fantasia
E o meu sonho acaba tarde
Deixa a alma de vigia
Ao largo ainda arde
A barca da fantasia
E o meu sonho acaba tarde
Acordar é que eu não queria
Madredeus
Um europeu fica sempre muito mais descansado
Num país feito de açúcar
5º Quem és tu de novo - Jorge Palma
Quando a janela se fecha e se transforma num ovo
Ou se desfaz em estilhaços de céu azul e magenta
E o meu olhar tem razões que o coração não frequenta
Por favor diz-me quem és tu, de novo?
Quando o teu cheiro me leva às esquinas do vislumbre
E toda a verdade em ti é coisa incerta e tão vasta
Quem sou eu para negar que a tua presença me arrasta?
Quem és tu, na imensidão do deslumbre?
As redes são passageiras, as arquitecturas da fuga
De toda a água que corre, de todo o vento que passa
Quando uma teia se rasga ergo à lua a minha taça
E vejo nascer no espelho mais uma ruga
Quando o tecto se escancara e se confunde com a lua
A apontar-me o caminho melhor do que qualquer estrela
Ninguém me faz duvidar que foste sempre a mais bela
Por favor, diz-me que és alguém, de novo?
Quando a janela se fecha e se transforma num ovo
Ou se desfaz em estilhaços de céu azul e magenta
E o meu olhar tem razões que o coração não frequenta
Por favor diz-me quem és tu, de novo?
Jorge Palma
6º Bohemian Rhapsody - Queen
E não é preciso explicar coisa nenhuma.
Is this the real life?
Is this just fantasy?
Caught in a landslide
No escape from reality
Open your eyes
Look up to the skies and see
I'm just a poor boy (Poor boy)
I need no sympathy
Because I'm easy come, easy go
Little high, little low
Any way the wind blows
Doesn't really matter to me, to me
Mama just killed a man
Put a gun against his head
Pulled my trigger, now he's dead
Mama, life has just begun
But now I've gone and thrown it all away
Mama, ooh
Didn't mean to make you cry
If I'm not back again this time tomorrow
Carry on, carry on as if nothing really matters
Too late, my time has come
Sends shivers down my spine
Body's aching all the time
Goodbye, everybody
I've got to go
Gotta leave you all behind and face the truth
Mama, oooooooh (Anyway the wind blows)
I don't want to die
Sometimes wish I'd never been born at all
I see a little silhouetto of a man
Scaramouch, Scaramouch, will you do the Fandango
Thunderbolt and lightning, very, very frightening me
(Galileo) Galileo (Galileo) Galileo, Galileo Figaro
Magnifico-o-o-o-o
I'm just a poor boy nobody loves me
He's just a poor boy from a poor family
Spare him his life from this monstrosity
Easy come, easy go, will you let me go?
Bismillah! No, we will not let you go
Let him go
Bismillah! We will not let you go
Let him go
Bismillah! We will not let you go
Let me go (Will not let you go)
Let me go (Will not let you go) (Never, never, never, never)
Let me go, o, o, o, o
No, no, no, no, no, no, no
(Oh mama mia, mama mia) Mama Mia, let me go
Beelzebub has the devil put aside for me, for me, for me!
So you think you can stone me and spit in my eye
So you think you can love me and leave me to die
Oh, baby, can't do this to me, baby
Just gotta get out, just gotta get right outta here
(Oooh yeah, Oooh yeah)
Nothing really matters
Anyone can see
Nothing really matters
Nothing really matters to me
Any way the wind blows...
Queen
7º Segundo andar direito - Sérgio Godinho
Ele vinte anos, e ela dezoito
e há cinco dias sem trocarem palavra
lembrando as zangas que um só beijo curava
e esta história começa no instante
em que o homem empurra a porta pesada
e entra no quarto onde a mulher está deitada
a dormir de um sono ligeiro
E no quarto, às cegas,
o escuro abraça-o como que a um companheiro
que se conhece pelo tocar e pelo cheiro
e é o ruído que o chão faz que lhe traz
o gosto ao quarto depois de uma ruptura
faz-lhe sentir que entre os dois algo ainda dura
dos dias em que um beijo bastava
E agora, da cama
vem uma voz que diz sussurrando: És tu?
e a luz acende-se sobre um braço nu
e a mulher pergunta: a que vens agora?
é que não sei se reparaste na hora
deixa dormir quem quer dormir, vai-te embora
amanhã tenho de ir trabalhar.
Não fales, que o bebé ainda acorda
não grites, que o vizinho ainda acorda
e não me olhes, que o amor ainda acorda
deixa-o dormir o nosso amor, um bocadinho mais
deixa-o dormir, que viveu dias tão brutais
E o homem, de pé
Parece um rapazinho a ver se compreende
e grita e diz que ele também não se vende
que quer a paz mas de outra maneira
e nem que essa noite fosse a derradeira
veio afirmar quer ela queira ou não queira
que os dois ainda têm muito a aprender
Se temos...! Diz ela
mas o problema não é só de aprender
é saber a partir daí que fazer
e o homem diz: que queres que responda?
Não estamos no mesmo comprimento de onda...
Tu a mandares-me esse sorriso à Gioconda
e eu com ar de filme americano
Somos tão novos, diz o homem
e agora é a vez de a mulher se impacientar
essa frase já começa a tresandar
é que não é só uma questão de idade
o amor não é o bilhete de identidade
é eu ou tu, seja quem for, ter vontade
de mudar e deixar mudar
Não fales, que o bebé ainda acorda
não grites, que o vizinho ainda acorda
e não me olhes, que o amor ainda acorda
deixa-o dormir o nosso amor, um bocadinho mais
deixa-o dormir, que viveu dias tão brutais
E assim se ouviu
pela noite fora os dois amantes falar
e o que não vi só tive de imaginar
é preciso explicar que sou o vizinho
e à noite vivo neste quarto sozinho
corpo cansado e cabeça em desalinho
e o prédio inteiro nos meus ouvidos
Veio a manhã e diziam
telefona ao teu patrão, diz que hoje não vais
que viveste uns dias assim tão brutais
e que precisas de convalescença
sei lá, inventa qualquer coisa, uma doença
mete um atestado ou pede licença
sem prazo nem vencimento, se preciso for
(espero que não seja preciso, porque não
sei como é que eles vão viver sem os
dois salários...)
Vá fala que o bebé está acordado
e vizinho deve estar já acordado
e o amor, pronto, também está acordado
mas tem cuidado, trata-o bem
muito bem, de mansinho
que ainda agora vai pisar outro caminho.
Sérgio Godinho
8º Silêncio - Pedro Abrunhosa
Silêncio é a palavra que habita, que palpita
Toda a música que faço.
É a cidade onde aportam os navios
Cheio de sons, de distância, de cansaço.
É esta rua onde despida a valentia
A cobardia se embriaga pelo aço.
É o sórdido cinema onde penetro
E encoberto me devolvo ao teu regaço.
É a luz que incendeia as minhas veias,
Os fantasmas que se soltam no olhar,
Que te acompanham nos lugares onde passeias,
É o porto onde me perco a respirar.
Silêncio são os gritos de mil gruas,
E o som eterno das barcaças
Que chiando navegam pelas ruas,
E dos rostos que se escondem nas vidraças.
Quem me dera poder conhecer
Esse silêncio que trazes em ti,
Quem me dera poder encontrar
O silêncio que trazes por mim.
Pelo silêncio se mata,
Por silêncio se morre,
Tens o meu sangue nas veias,
Será que é por mim que ele corre?
Somos dois estranhos
Perdidos na paz,
Em busca de silêncio
Sozinhos demais,
Somos dois momentos, X 2
Dois ventos cansados,
Em busca da memória
De tempos passados.
Silêncio é o rio que esconde
O odor de um prédio enegrecido,
O asfalto que me assalta quando paro,
Assomado por um corpo já vencido.
Silêncio são as luzes que se apagam
Pela noite, na aurora já despida,
E os homens e mulheres que na esquina
Trocam prazeres, virtudes, talvez Sida.
Silêncio é o branco do papel
E o negro pálido da mão,
É a sombra que se esvai feita poema,
Num grafitti que é gazela ou leão.
Silêncio são as escadas do metro
Onde poetas se mascaram de videntes,
Silêncio é o crack que circula
Entre as ruas eleitas confidentes.
Quem me dera poder conhecer
Esse silêncio que trazes em ti,
Quem me dera poder encontrar
O silêncio que trazes por mim.
Pelo silêncio se mata,
Por silêncio se morre,
Tens o meu sangue nas veias,
Será que é por mim que ele corre?
Silêncio é este espaço que há em mim,
Onde me escondo para chorar e ser chorado,
É o pincel que se desfaz na tua boca,
Em qualquer doca do teu seio decotado.
Silêncio...
Pedro Abrunhosa
9º Someone that cannot love - David Fonseca
You locked up your heart
You wake up with tears and stars in your eyes
You gave it all to someone that
Cannot love you back
Your days are packed
With wishes and hopes for the love that you've got
You waste it all to someone that
Cannot love you back
Someone that cannot love
Love, ain't this enough
You push yourself down
You try to take comfort in words
But words
They cannot love
Don't waste them like that
Cus they'll bruise you more
You secretly made
Castles of sand that you hide in the shade
But you cannot hold the tides that break them
And you build them all over again
You talk all these words
You make conversations that cannot be heard
How long until you notice that
No one is answering back
Someone that cannot love
Love, ain't this enough
You push yourself down
You try to take comfort in words
But words
They cannot love
Don't waste them like that
Cus they'll bruise you more
Love, love, ain't this enough
Pushing around
You try to take comfort in words
But words
Well they cannot love
Don't waste them like that
Cus they'll bruise you more
Someone that cannot love
Someone that cannot love
Someone that cannot love
Love, ain't this enough
You push yourself down
You try to take comfort in words
But words
They cannot love
Don't waste them like that
Cus they'll bruise you more
Love, love, ain't this enough
Pushing around
To find little comfort in words
But words
Well they cannot love
Don't waste them like that
Cus they'll bruise you more
You know they'll bruise you more
Words they will hurt you more
Words they will hurt you more
Yes they'll bruise you
Someone that cannot love
Someone that cannot love
David Fonseca
10º Everybody's Changing - The Keane
You say you wander your own land
But when I think about it
I don't see how you can
You're aching, you're breaking
And I can see the pain in your eyes
Says everybody's changing
And I don't know why
So little time
Try to understand that I'm
Trying to make a move just to stay in the game
I try to stay awake and remember my name
But everybody's changing
And I don't feel the same
You're gone from here
Soon you will disappear
Fading into beautiful light
'Cause everybody's changing
And I don't feel right
So little time
Try to understand that I'm
Trying to make a move just to stay in the game
I try to stay awake and remember my name
But everybody's changing
And I don't feel the same
So little time
Try to understand that I'm
Trying to make a move just to stay in the game
I try to stay awake and remember my name
But everybody's changing
And I don't feel the same
Oh
Everybody's changing
And I don't feel the same
The Keane
11º Butterflies and Hurricanes - Muse
Este Butterflies and Hurricanes, uma espécie de rock épico, continua a ser a minha referência no que toca à agora muito afamada banda Muse. O trabalho de composição desta música parece-me, a mim que sou um leigo, de antologia, e está em concordância com a letra. Uma música extraordinária. Uma letra que inspira.
Change everything you are
And everything you were
Your number has been called
Fights and battles have begun
Revenge will surely come
Your hard times are ahead
Best, you've got to be the best
You've got to change the world
And use this chance to be heard
Your time is now
Change everything you are
And everything you were
Your number has been called
Fights and battles have begun
Revenge will surely come
Your hard times are ahead
Best, you've got to be the best
You've got to change the world
And use this chance to be heard
Your time is now
Don’t let yourself down
Don’t let yourself go
Your last chance has arrived
Best, you've got to be the best
You've got to change the world
And use this chance to be heard
Your time is now
Muse
12º Wish you were here
So, so you think you can tell
Heaven from Hell,
Blue skies from pain.
Can you tell a green field
From a cold steel rail?
A smile from a veil?
Do you think you can tell?
Did they get you to trade
Your heroes for ghosts?
Hot ashes for trees?
Hot air for a cool breeze?
And cold comfort for change?
Did you exchange
A walk on part in the war,
For a lead role in a cage?
How I wish, how I wish you were here.
We're just two lost souls
Swimming in a fish bowl,
Year after year,
Running over the same old ground.
What have we found
The same old fears.
Wish you were here.
Pink Floyd
13º Canção de Lisboa - Jorge Palma
A Canção de Lisboa de Jorge Palma é mais uma canção simples com uma letra muito interessante. Quem vive em Lisboa tem uma de duas opiniões. A boa, e esta, a desta música. Vale a pena prestar atenção ao poema. Subscrevo-o.
Os serões habituais
As conversas sempre iguais
Os horóscopos, os signos e ascendentes
Mais a vida da outra sussurrada entre os dentes
Os convites nos olhos embriagados
Os encontros de novo adiados
Nos ouvidos cansados ecoa
A canção de lisboa
Não está só a solidão
Há tristeza e compaixão
Quando sono acalma os corpos agitados
Pela noite atirados contra colções errados
Há o silêncio de quem não ri nem chora
Há divórcio entre o dentro e o fora
E há quem diga que nunca foi boa
A canção de lisboa
Mamã, mamã
Onde estás tu mamã
Nós sem ti não sabemos mamã
Libertar-nos do mal
A urgência de agarrar
Qualquer coisa para mostrar
Que afinal nos também temos mão na vida
Mesmo que seja a custa de a vivermos fingida
O estatuto para impressionar o mundo
Não precisa de ser mais profundo
Que o marasmo que nos atordoa
Ó canção de lisboa
As vielas de néon
As guitarras já sem som
Vão mantendo viva a tradição da fome
Que a memória deturpa e o orgulho consome
Entre o orgasmo e a gruta ainda fria
O abandonado da carne vazia
Cada um no seu canto entoa
A canção de lisboa
Jorge Palma
14º Yesterday - Beatles
Yesterday, all my troubles seemed so far away.
Now it looks as though they're here to stay.
Oh, I believe in yesterday.
Suddenly,
I'm not half the man I used to be,
There's a shadow hanging over me,
Oh, yesterday came suddenly.
Why she had to go
I don't know she wouldn't say.
I said something wrong,
Now I long for yesterday.
Yesterday, love was such an easy game to play.
Now I need a place to hide away.
Oh, I believe in yesterday.
Why she had to go
I don't know she wouldn't say.
I said something wrong,
Now I long for yesterday.
Yesterday, love was such an easy game to play.
Now I need a place to hide away.
Oh, I believe in yesterday.
Beatles
15º 1970 (Retrato) - JP Simões
A minha geração, já se calou, já se perdeu, já amuou,
já se cansou, desapareceu, ou então casou, ou então mudou
ou então morreu: já se acabou.
A minha geração de hedonistas e de ateus, de anti-clubistas,
de anarquistas, deprimidos e de artistas e de autistas
estatelou-se docemente contra o céu.
A minha geração ironizou o coração, alimentou a confusão
brincou às mil revoluções amando gestos e protestos e canções,
pelo seu estilo controverso.
A minha geração, só se comove com excessos, com hecatombes,
com acessos de bruta cólera, de morte, de miséria, de mentiras,
de reflexos da sua funda castração.
A minha geração é a herdeira do silêncio,
dos grandes paizinhos do céu,
da indecência, do abuso.
E um belo dia fez-se à vida,
na cegueira do comércio
A minha geração é toda a minha solidão, é flor da ausência, sonho vão,
aparição, presságio, fogo de artifício, toda vício, toda boca
e pouca coisa na mão.
Vai minha geração, ergue a cabeça e solta os teus filhos no esplendor do lixo e do descuido,
Deixa-te ir enquanto o sabor acre da desistência vai corroendo a doçura da sua infância.
Vai minha geração, reage, diz que não é nada assim,
Que é um lamentável engano, erro tipográfico, estatística imprecisa, puro preconceito,
Que o teu único defeito é ter demasiadas qualidades e tropeçar nelas.
Vai minha geração, explica bem alto a toda a gente
Que és por demais inteligente, para sujar as mãos neste velho processo, triste traste de Deus.
De fingir que o nosso destino é ser um bocadinho melhor do que antes.
Vai minha geração, nasceste cansada, mimada, doente, por tudo e por nada, com medo de ser inventada
O que é que te falta, agora que não te falta nada?
Poderá uma pobre canção contribuir para a tua regeneração ou só te resta morrer desintegrada?
Mas minha geração,
Valeu a trapaça, até teve graça, tanta conversa, tanta utopia tonta, tanto copo, e a comida estava óptima! O que vamos fazer?
JP Simões
Foi uma vez uma Jukebox...
Ernâni Lopes
Uma história
Samuel Beckett
O Inominável
"Põem-se as coisas em movimento sem haver qualquer preocupação com a forma de as fazer parar."
"Claro que me é indiferente que Prometeu tenha sido libertado vinte e nove mil cento e setenta anos antes de ter expiado a sua pena. Porque entre mim e esse miserável que troçou dos deuses, inventou o fogo, corrompeu a argila, domesticou o cavalo, em suma, fez um favor à humanidade, espero que não haja nada em comum."
"É mais fácil construir um templo do que fazer descer até ele o objecto do culto."
"Não precisa de raciocinar, só tem de sofrer, sempre da mesma forma, nunca menos, nunca mais, sem qualquer esperança de uma pausa, sem qualquer esperança de morte, é muito simples. Não é preciso raciocinar para não ter esperança."
Excertos do livro, O Inominável de Samuel Beckett
E quanto à habitual opinião, eu não diria melhor.
Saudades de Silence 4
Especial em todas as línguas
A transcrição de alcoviteiros
A temporada de F1
O fundo verdade daquele Boato
Mau Agoiro
"Aquilo a que chamamos "Terra Natal" é muito mais susceptível de ser vivido do que os simples conceitos de Pátria ou Nação(...)"
"Portanto, desatei a correr, fugi, safei-me pelo portal do lado Sul, corri como havia muito tempo não corria, corri e, por fim, fiquei feliz por saber para onde..."
"Após algumas oscilações que, por algum tempo o levaram a aproximar-se de uma dissidência pró-comunista, assumiu uma posição liberal de esquerda, que foi sofrendo algum desgaste ao longo de duas décadas, mas que se manteve reconhecível. As suas próprias contradições levaram-no, como a muitos outros, a um denominador comum, e que diz: A vida continua."
"Nó pintámos muito fachadas, que antes não tinham cor. Arte não é um pouquito de falsificação sempre? Mas compreendo que a arte alemã tem de ser cem porcento."
"(...) o cheiro a mofo da mania nacional de ter sempre razão acumulada desde há séculos, não o satisfaziam."
"E o facto de ele ter sido porta-estandarte aos catorze anos, e ela aos dezassete membro da Organização das Juventudes Comunistas, viam em ambos como a deformação congénita da geração a que pertenciam..."
"És capaz de ter razão, Alexandra, nós, os alemães, não temos veia para a alegria."
"A prova concludente da força militar deixa simultaneamente perceber a impotência do pensamento ocidental."
"(...) usando aquela caligrafia de Sutterlin que também nos impingiram na escola, ao Reschke e a mim, e de que nos ficou o hábito, até que depois do fim da guerra, graças à reeducação democrática, o perdemos juntamente com outros maus costumes."
"Não! Isto já não é a nossa ideia. Aqui recupera-se pela força económica o que se perdeu pela guerra. Claro, tudo isto decorre pacificamente. Nada de tanques, nada de stukas em acção. Não há nenhum ditador, quem domina é só a economia livre de mercado."
"(...) fomos atirados para a luta final a ocidente do Oder. E por acaso - Reschke, estás a ouvir! - pura e simplesmente por acaso, não graças à Providência, safámo-nos (...) mas o irmão de Alexandra, enquanto resistente, fora morto a tiro, com dezassete anos tal como nós, e os irmãos do Reschke estavam mortos desde o Verão de 43 (...) eles encontraram o seu fim, nós não."
Excertos retirados do livro "Mau Agoiro" de Günter Grass
Este Nobel alemão que, anteriormente, não me tinha convencido deveras, apareceu-me na livraria Wook do Dolce Vita de Lisboa (boa livraria), com este livro, edição antiga de 2000 ainda em escudos, exemplar único, e qual refugo: muito barato. Assim Günter Grass me fascinou economicamente para mais uma aventura pela Alemanha do pós guerra. Em relação ao livro, é mais um que descreve com uma comicidade subtil, essa Alemanha dividida, quer geograficamente quer ideologicamente. Uma Alemanha tensa, voraz para com a Polónia, e, também é justo dizê-lo, envergonhada. Politicamente, o livro debruça-se sobre a Alemanha do fim do muro, a proximidade da queda da URSS, a Polónia e os seus sentimentos profundamente nacionalistas e católicos - ou devo antes dizer complexos defensivos? - a primeira Guerra do Golfo, a entrada, de patrocínio alemão, da Ásia na Europa e a Ecologia. Muitos temas? Sim. Todos eles envoltos numa história linear, a da formação de uma Sociedade Germano-Polaca dos cemitérios. Nesse capítulo, a história recai muito sobre aspectos económicos - o que a pode tornar aborrecida -, mas é necessário que se extraia dela o seu carácter ideológico: o da impossibilidade de uma verdadeira cooperação Germano-Polaca. Com esta leitura, confirmei que Günter Grass é um escritor de tema; alguém essencial para a compreensão da Alemanha do pós guerra, e da Europa da segunda metade do século XX. Mas se isto não lhe interessa, o melhor é ler outro escritor. O estilo é também interessante pois o narrador, que é o próprio Grass, parece sempre narrar a contragosto esta história, dando-lhe um carácter cómico. Uma comicidade triste: a de relembrar o passado sofrido e as chagas da sua geração. Um livro interessante para os interessados; um livro que pode suscitar debate entre quem o lê.
A Peste
"Mas o que são cem milhões de mortos? Quando se faz a guerra, mal se sabe já o que é um morto. E, visto que um homem morto só pesa se o vimos morto, cem milhões de cadáveres semeados através da História não passam de um fumo na imaginação."
"(...) sofríamos duas vezes: o nosso sofrimento em primeiro lugar, e, em seguida, aquele que imaginávamos aos ausentes - filhos, esposas ou amantes."
(...) reintegráva-mos , em suma, na nossa condição de prisioneiros, estávamos reduzidos ao nosso passado, e ainda que alguns de nós tivessem a tentação de viver no futuro, rapidamente renunciavam, tanto pelo menos quanto lhes era possível ao experimentarem as feridas que a imaginação finalmente inflige àqueles que nela confiam."
"(...) era então atirado sem transição para o mais espesso silêncio da terra. Não tivera tempo para o que quer que fosse."
"Com a ajuda da fadiga, ele deixara correr as coisas, tinha-se calado cada vez mais e não mantivera a sua jovem mulher na ideia de que era amada. Um homem que trabalha, a pobreza, o futuro lentamente fechado, o silêncio dos serões à volta da mesa - não há lugar para a paixão num tal universo."
"Mas esta porcaria desta doença! Até os que não a têm trazem-na no coração."
"Mas chega sempre uma hora na História em que aquele que ouse dizer que dois e dois são quatro é punido com a morte."
"Agora sei que o Homem é capaz de grandes acções. Mas, se não for capaz de um grande sentimento, não me interessa. (...) é incapaz de sofrer ou de ser feliz durante muito tempo. Portanto, não é capaz de algo que valha a pena."
"A peste, é preciso dizê-lo, tirara a todos o poder do amor e até o da amizade. Porque o amor exige um pouco de futuro e, para nós, já não havia senão instantes."
"Já não havia lugar no coração de todos senão para uma esperança muito velha e muito triste, a mesma que impede os homens de se deixarem ir para a morte e que não é mais que a simples obstinação de viver."
Excertos retirado da obra "A Peste" de Albert Camus
Um conselho poético
Quando se tem uma ideia é ainda cedo para escrever poesia. É preciso esperar que ela fuja de nós, nos engane ou, melhor, nos deslumbre. Então é o momento de persegui-la, de tentar o poema.
Ángel Crespo
Ser Sportinguista, esse flagelo...
Opressão informática
Tempos do nojo
Chávez veio, numa "corridinha", dar o seu imprestável - se alguma vez teve préstimo - contributo e, ao que constou, auxílio ao país que vai sendo Portugal. A comunicação social, estou certo, fez a cobertura que se lhe impunha. Com o homem da boina basca, a "amandar pó revolucionário", a revolução continua a bom ritmo, tal como na Venezuela avançam os assassinatos sem culpado. Estes, juntamente com Khadafi, Lula, Mugabe e o Santos, de Angola (os da casa já se sabe, não fazem milagre), hão-de formar uma tríplice qualquer, a "Dupla Tríplice dos Seis". Decerto que não dariam por tamanha estupidez.
Para os arautos da austeridade
Nota: Ainda que moral, há muitas coisas a fazer pela economia europeia, veja-se o caso dos EUA e os angustiantes ensinamentos de Krugman.
Está tudo dito
"The Bible, Harry Potter and the Ikea catalogue are the 3 largest print publications in the world."
via Dean Crutchfield
O Eleito
"Para fazer penitência pelo seu crime e ignomínia, encontrará aqui maiores felicidades se a sua bondade tiver ao seu dispor os seus haveres. Sem fortuna só lhe restaria a bondade, e de que serve a bondade sem dinheiro?"
"Vós, mulheres, tendes cérebro de pássaro; só entendeis tudo o que diz respeito a problemas de carne e crianças lindas, mas escapa-vos o significado da honra e da política."
"Deus não quer que o Homem viva em grande calma; envia-lhe a inquietação para sua penitência e incita-o a criar ele próprio o desassossego que o devora."
"Todavia, parece-me admissível certa diferença entre aquilo que um homem culto deve ceditar e a fé do vulgo."
"Espero continuar a ter em vós um fiel servidor. Todavia, não vos tenho amor. Embora me tenhais eleito para vossa soberana, não achais graça diante de mim (...) Decerto obedecestes aos ditames da honra e da política."
"(...) pões-te a falar com essa boca fidalga à nossa maneira e é insuportável, porque para falar como o povo é preciso ter goelas do povo..."
"(...) porque cada um de nós traz em si o desejo de voltar atrás e reviver o passado, para transformar a desgraça em ventura, pela magia da saudade."
"O dia despontava cedo ou tarde, cobria-se o céu de tons róseos, inflamava-se, desmaiava na púrpura moribunda, espraiando-se em reflexos para os lados do Oriente."
"É raro enganar-se em absoluto aquele que no bem descobre uma ponta de maldade."
Excertos da obra "O Eleito" de Thomas Mann