Mau Agoiro

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"Afinal a campa é a expressão derradeira do ser humano."

"Aquilo a que chamamos "Terra Natal" é muito mais susceptível de ser vivido do que os simples conceitos de Pátria ou Nação(...)"

"Portanto, desatei a correr, fugi, safei-me pelo portal do lado Sul, corri como havia muito tempo não corria, corri e, por fim, fiquei feliz por saber para onde..."

"Após algumas oscilações que, por algum tempo o levaram a aproximar-se de uma dissidência pró-comunista, assumiu uma posição liberal de esquerda, que foi sofrendo algum desgaste ao longo de duas décadas, mas que se manteve reconhecível. As suas próprias contradições levaram-no, como a muitos outros, a um denominador comum, e que diz: A vida continua."

"Nó pintámos muito fachadas, que antes não tinham cor. Arte não é um pouquito de falsificação sempre? Mas compreendo que a arte alemã tem de ser cem porcento."

"(...) o cheiro a mofo da mania nacional de ter sempre razão acumulada desde há séculos, não o satisfaziam."

"E o facto de ele ter sido porta-estandarte aos catorze anos, e ela aos dezassete membro da Organização das Juventudes Comunistas, viam em ambos como a deformação congénita da geração a que pertenciam..."

"És capaz de ter razão, Alexandra, nós, os alemães, não temos veia para a alegria."

"A prova concludente da força militar deixa simultaneamente perceber a impotência do pensamento ocidental."

"(...) usando aquela caligrafia de Sutterlin que também nos impingiram na escola, ao Reschke e a mim, e de que nos ficou o hábito, até que depois do fim da guerra, graças à reeducação democrática, o perdemos juntamente com outros maus costumes."

"Não! Isto já não é a nossa ideia. Aqui recupera-se pela força económica o que se perdeu pela guerra. Claro, tudo isto decorre pacificamente. Nada de tanques, nada de stukas em acção. Não há nenhum ditador, quem domina é só a economia livre de mercado."

"(...) fomos atirados para a luta final a ocidente do Oder. E por acaso - Reschke, estás a ouvir! - pura e simplesmente por acaso, não graças à Providência, safámo-nos (...) mas o irmão de Alexandra, enquanto resistente, fora morto a tiro, com dezassete anos tal como nós, e os irmãos do Reschke estavam mortos desde o Verão de 43 (...) eles encontraram o seu fim, nós não."

Excertos retirados do livro "Mau Agoiro" de Günter Grass


Este Nobel alemão que, anteriormente, não me tinha convencido deveras, apareceu-me na livraria Wook do Dolce Vita de Lisboa (boa livraria), com este livro, edição antiga de 2000 ainda em escudos, exemplar único, e qual refugo: muito barato. Assim Günter Grass me fascinou economicamente para mais uma aventura pela Alemanha do pós guerra. Em relação ao livro, é mais um que descreve com uma comicidade subtil, essa Alemanha dividida, quer geograficamente quer ideologicamente. Uma Alemanha tensa, voraz para com a Polónia, e, também é justo dizê-lo, envergonhada. Politicamente, o livro debruça-se sobre a Alemanha do fim do muro, a proximidade da queda da URSS, a Polónia e os seus sentimentos profundamente nacionalistas e católicos - ou devo antes dizer complexos defensivos? - a primeira Guerra do Golfo, a entrada, de patrocínio alemão, da Ásia na Europa e a Ecologia. Muitos temas? Sim. Todos eles envoltos numa história linear, a da formação de uma Sociedade Germano-Polaca dos cemitérios. Nesse capítulo, a história recai muito sobre aspectos económicos - o que a pode tornar aborrecida -, mas é necessário que se extraia dela o seu carácter ideológico: o da impossibilidade de uma verdadeira cooperação Germano-Polaca. Com esta leitura, confirmei que Günter Grass é um escritor de tema; alguém essencial para a compreensão da Alemanha do pós guerra, e da Europa da segunda metade do século XX. Mas se isto não lhe interessa, o melhor é ler outro escritor. O estilo é também interessante pois o narrador, que é o próprio Grass, parece sempre narrar a contragosto esta história, dando-lhe um carácter cómico. Uma comicidade triste: a de relembrar o passado sofrido e as chagas da sua geração. Um livro interessante para os interessados; um livro que pode suscitar debate entre quem o lê.

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