Aqui deixo a inteligente entrevista de Fernando Nobre, o médico português que durante toda a sua vida espalhou Portugal no mundo, o homem certo, preparado, descomprometido, capaz e sabedor para ocupar o mais alto cargo da nossa Nação. Começo assim, com esta modesta intervenção política que é apoiar um candidato num blog pessoal, a minha intervenção cívica, visando a eleição do Drº. Fernando Nobre para a Presidência da Republica.
Leituras V
- Randolph - perguntou ele -, alguma vez tiveste a minha idade?
- Nunca fui tão velho - respondeu-lhe Randolph.
- Randolph, sabes uma coisa? Sou muito feliz.
Ao que o amigo nada disse.
A razão desta felicidade parecia ser simplesmente o facto de não se sentir infeliz, aliás, sabia que havia ali uma espécie de equilíbrio.
Truman Capote
- Nunca fui tão velho - respondeu-lhe Randolph.
- Randolph, sabes uma coisa? Sou muito feliz.
Ao que o amigo nada disse.
A razão desta felicidade parecia ser simplesmente o facto de não se sentir infeliz, aliás, sabia que havia ali uma espécie de equilíbrio.
Truman Capote
Pena de viver assim
"(...) ela tem nojo da vida, a vida conspurca."
"É preciso que seja ele a encontrar para si, parando de chorar, a coragem de dizer porque voltou."
"(...) está cheio de rancor ao pensar não poder esperar nada de melhor das filhas de uma mãe como aquela."
"(...) não tanto por ser difícil arranjar uma qualquer razão, mas por pensar que ele talvez não se tenha vestido de preto por respeito em relação a ela, para não lhe colocar debaixo dos olhos o luto por aquela outra mulher."
"(...) o acto impressionara-a menos do que a ideia de poder praticá-lo."
"Precisamente porque esse mal, previsto, temido e esperado de um momento para o outro, lhe faltou, ela sofreu um suplício."
"É preciso que seja ele a encontrar para si, parando de chorar, a coragem de dizer porque voltou."
"(...) está cheio de rancor ao pensar não poder esperar nada de melhor das filhas de uma mãe como aquela."
"(...) não tanto por ser difícil arranjar uma qualquer razão, mas por pensar que ele talvez não se tenha vestido de preto por respeito em relação a ela, para não lhe colocar debaixo dos olhos o luto por aquela outra mulher."
"(...) o acto impressionara-a menos do que a ideia de poder praticá-lo."
"Precisamente porque esse mal, previsto, temido e esperado de um momento para o outro, lhe faltou, ela sofreu um suplício."
Expressões do conto Pena de viver assim de Luigi Pirandello
Numa das minhas incursões pela Wook, deparei-me com este conto que, por me ser desconhecido o autor, parei para espreitar. As minhas experiências com literatura italiana não ajudavam à decisão favorável, mas a chancela "nobélica" do escritor ajudou-me a tomar a decisão. Acabei por comprar um conto de linguagem e escrita simples, sem sortilégios estilísticos, mas que comporta uma densa mensagem. Na verdade, um dos contos psicologicamente mais densos que até hoje li. Sem o decoro estético de Tchékhov, e parece-me lícito compararem-se, Pirandello procura descrever uma face real e escondida dos nossos sentimentos. Durante a leitura, senti sempre que aquilo que o escritor queria mostrar como real era sempre o menos óbvio, e que depois invertido, nos parecia óbvio. É este o grande malabarismo desta sua escrita.
A história trata da Senhora Leuca, abandonada pelo marido à 11 anos, e que agora o vê de regresso, na miséria e com três filhas de outrem. Nas vilas italianas da década de 20 e 30, Pirandello faz desfilar a verdadeira caridade, a expectativa, o ciúme e a solidão. Tudo corporizado na Senhora Leuca. Assim, Leuca é pressionada pelo advogado e pelo pároco da localidade a aceitar de volta o marido, coisa que faz por mera caridade, num esforço de indiferença. Contudo, Leuca não quer sentir o deleite e a lisonja de ser considerada uma altruísta, sente um horror cristão pela vaidade da prática caridosa: ponto fulcral da apreciação que Pirandello faz da verdadeira caridade. Para sublinhar isso mesmo, Leuca acaba por ter pena dos miseráveis que antes ajudava e que deixara de poder ajudar. Essas dores e dúvidas são o espinho que valoriza a caridade. Para Pirandello, a caridade parece necessitar de provocar dor a quem dá; não podendo ser vista como manifestação de opulência. Aquando do regresso a casa, Leuca, esperando um comportamento devasso do marido, depreende-se com um carácter respeitador e compungido, o que a surpreende e provoca. Nasce um leve ciúme, e uma questão: será que Leuca é tão pouco atraente para o marido a desprezar? No fundo, ainda que fosse expectável que Leuca pretendesse afastar-se o mais possível do marido, o que ela pretendia mesmo era poder renega-lo, algo que a atitude cortês do marido impedia. Este é possivelmente o aspecto mais interessante do conto, juntando a alma feminina despeitada e o ciúme. Mesmo quando Leuca se apercebe disto, ela insurge-se e envergonha-se de si própria. Assim Leuca voga na solidão. Quer estar só, mas quer poder escolher estar só; não quer que a solidão se lhe imponha.
A história trata da Senhora Leuca, abandonada pelo marido à 11 anos, e que agora o vê de regresso, na miséria e com três filhas de outrem. Nas vilas italianas da década de 20 e 30, Pirandello faz desfilar a verdadeira caridade, a expectativa, o ciúme e a solidão. Tudo corporizado na Senhora Leuca. Assim, Leuca é pressionada pelo advogado e pelo pároco da localidade a aceitar de volta o marido, coisa que faz por mera caridade, num esforço de indiferença. Contudo, Leuca não quer sentir o deleite e a lisonja de ser considerada uma altruísta, sente um horror cristão pela vaidade da prática caridosa: ponto fulcral da apreciação que Pirandello faz da verdadeira caridade. Para sublinhar isso mesmo, Leuca acaba por ter pena dos miseráveis que antes ajudava e que deixara de poder ajudar. Essas dores e dúvidas são o espinho que valoriza a caridade. Para Pirandello, a caridade parece necessitar de provocar dor a quem dá; não podendo ser vista como manifestação de opulência. Aquando do regresso a casa, Leuca, esperando um comportamento devasso do marido, depreende-se com um carácter respeitador e compungido, o que a surpreende e provoca. Nasce um leve ciúme, e uma questão: será que Leuca é tão pouco atraente para o marido a desprezar? No fundo, ainda que fosse expectável que Leuca pretendesse afastar-se o mais possível do marido, o que ela pretendia mesmo era poder renega-lo, algo que a atitude cortês do marido impedia. Este é possivelmente o aspecto mais interessante do conto, juntando a alma feminina despeitada e o ciúme. Mesmo quando Leuca se apercebe disto, ela insurge-se e envergonha-se de si própria. Assim Leuca voga na solidão. Quer estar só, mas quer poder escolher estar só; não quer que a solidão se lhe imponha.
Manjar de Mafra: temos ornitorrinco
Agora que o congresso se finou, parece-me importante ver o que sobrou. O congresso foi importante para o PSD. Seria sempre importante, nem que servisse apenas para mitigar os impactos nefastos das directas. Na parcimónia de meios (a falta que faz o poder) do escolástico pavilhão onde se passou o congresso, alguns acontecimentos merecem uma atenção mais cuidada.
Os Candidatos
Definitivamente, só um dos três candidatos (são quatro mas serão necessariamente apenas três), parece estar à altura dos desafios que o país enfrenta. Esse candidato, Aguiar-Branco, não só me parece o mais competente como também o mais credível, e o único que por ter medidas e ideias concretas, não tem tempo para folclores laranjas. Por isso, é, fruto das directas, uma carta fora do baralho. Aparece nas últimas sondagens com 8%, e se tudo correr bem, fica-se pela não desistência. O seu discurso foi interessante, preocupado com o conteúdo, e por isso sem palavras mágicas, baboseiras que arrancam aplausos estudados e contados à cabeça. Para além disto, nutro uma merecida e particular simpatia por um candidato que preferiu estar no parlamento a debater o orçamento e o PEC do que em campanha partidária. Sabendo que os militantes de base não lhe agradeceram, da minha parte fica o agradecimento.
Paulo Rangel, que tinha tudo para ser um sósia de Aguiar-Branco, parece ter escolhido o caminho inverso. Prometera cumprir o mandato europeu mas entretanto deu o dito pelo não dito. Isso foi patente na impreparação e vacuidade do seu discurso. Primeiro sobre o arrozado em que discursou na sua apresentação de candidatura, mascarado com o balbuciar de uma ruptura vaga e imprecisa. Depois através dos debates, onde foi considerado o menos capaz dos candidatos pela crítica. Ontem esteve melhor, esteticamente melhor. Adicionou à ruptura a "dessocratização", outra aglutinação gramatical de conteúdo nubloso. Com mais este artifício de linguagem conseguiu convencer os já convencidos. Bateram palmas com mais força, e de soslaio, contaram os que não batiam palmas. Desta candidatura sobrevém a clara ideia de precipitação. A sensação de que Rangel não quis perder o comboio do poder, e que vendo na crise da dívida o derradeiro epílogo de Sócrates, atravessou-se na linha...
O mais provável dos vencedores e o pior dos candidatos - assim são as directas de um partido - teve um lapso que, num congresso à antiga, lhe teria custado a vitória. Felizmente para ele, parece sair do congresso como entrou: na cabeça (vazia) do pelotão. Um discurso de "Sócrates com laranja" granjeou-lhe um excelente início, algo que deitou a perder a partir do momento em que se embrulha, ora com a mesa, ora com Alberto João Jardim. Depois, os aplausos deliquescentes; como estava no cartaz. Este texto que escrevi há quase um ano, parece fazer cada vez mais sentido.
O PSD
Há muito que fazia falta ao PSD um congresso de união. Muitos usaram-no para desabafar, como Menezes ou Mendes; fizeram bem. Notei que o congresso estava enleado por um clima de pré-poder, uma hipnose tácita a um líder que ainda se procura. Só assim se explica a aprovação deste regulamento rolha, anti-democrático, votado certamente de forma acrítica, como convém a quem almeja o poder pelo poder. Um pequeno apontamento para o congresso: Santana Lopes tem a sua vitória logística.
As directas
E agora esse cancro democrático, as directas. Método que para além de cristalizar facções dentro dos partidos, só contribui para assaltos de poder, antes palacianos, agora nas urnas, pejadas de votos controlados pelos caciques (que em alguns casos até pagam as cotas aos militantes). As directas não só promovem piores candidatos como obrigam os vencedores a alimentar as clientelas que os elegeram. Os candidatos giram numa eleição interna como se do país se tratasse, precisam de se atacar, de vincar diferenças; perdendo toda a capacidade para se juntarem no mesmo palanque no fim do acto eleitoral. Os últimos líderes do PSD sofreram isso na pele. Manuela Ferreira Leite sofreu também o síndrome dos 30%, esse ataque de legitimidade que provavelmente, dado haverem 4 candidatos, também o futuro vencedor sofrerá. No PS, o fenómeno Alegre é resultado das directas. Enfim, não existe justificação plausível para as directas, e esse é o grande desafio do próximo presidente do PSD.
A confissão de Lúcio
"(...) uma coisa onde nunca me vi, foi na vida - e diga-me se na realidade nos encontramos nela?"
"(...) sou um isolado que conhece meio mundo, um desclassificado que não tem uma dívida, uma nódoa - que todos consideram e que entretanto em parte alguma é admitido."
"Porque afinal essa vida (...) é a única que eu amo. Simplesmente não a posso existir..."
"A minha ânsia convertera-se em achar na sua carne uma mordedura, uma escoriação de amor, qualquer rastro de outro amante..."
"Não, não me enganara outrora, ao pensar que nada me angustiaria por a minha amante se entregar a outros homens."
"Esquecer é não ter sido."
"Eu não soube nunca desculpar uma falta de orgulho."
Excertos de A confissão de Lúcio de Mário de Sá-Carneiro
Uma das novelas mais importantes de Mário de Sá-Carneiro, este livro conta-nos a confissão de um condenado por um crime não praticado: Lúcio. A história está escrita com a tradicional coquetterie literária que, um pouco por todos os escritores portugueses que estiveram em França, está presente. Este aspecto é reforçado pelos dois pólos espaciais presentes: a luminosa Paris e a boçal e esconsa Lisboa. A história em si comporta aspectos relativos ao mundo do fantástico, especialmente na personagem de Marta, talvez apenas um fantasma carnal, criado para relacionar Lúcio e o seu amigo Ricardo. Note-se que o crime de Lúcio é ter morto Ricardo, algo que não fez, tendo Marta se evolado no espaço assim que Ricardo morre. Este facto comporta a inverosimilhança da sua defesa, o que o leva a ser, de facto, preso.
Como curiosidade, é neste livro que se inicia a temática da homossexualidade na literatura portuguesa. Esta é espiritual, ou aparece presente em gestos simbólicos, conquanto os actos carnais são intermediados por Marta. Com descrições luxuriantes e o rigor vocabular típico da geração da vanguarda, Sá-Carneiro debruça-se sobre os seus temas preferidos: o suicídio(na figura de Ricardo), a perversão (no carácter dissimulado da homossexualidade presente e na despenalização do adultério) e a loucura. Pessoalmente, do pouco que conheço do escritor, achei que Sá-Carneiro se tentou biografar em Lúcio, que era escritor, que destruiu a sua obra e que ainda que não morrendo se considera morto. Note-se que Sá-Carneiro também viveu em Paris, escreveu apenas mais uma novela depois desta, e que se suicidou.
"(...) sou um isolado que conhece meio mundo, um desclassificado que não tem uma dívida, uma nódoa - que todos consideram e que entretanto em parte alguma é admitido."
"Porque afinal essa vida (...) é a única que eu amo. Simplesmente não a posso existir..."
"A minha ânsia convertera-se em achar na sua carne uma mordedura, uma escoriação de amor, qualquer rastro de outro amante..."
"Não, não me enganara outrora, ao pensar que nada me angustiaria por a minha amante se entregar a outros homens."
"Esquecer é não ter sido."
"Eu não soube nunca desculpar uma falta de orgulho."
Excertos de A confissão de Lúcio de Mário de Sá-Carneiro
Uma das novelas mais importantes de Mário de Sá-Carneiro, este livro conta-nos a confissão de um condenado por um crime não praticado: Lúcio. A história está escrita com a tradicional coquetterie literária que, um pouco por todos os escritores portugueses que estiveram em França, está presente. Este aspecto é reforçado pelos dois pólos espaciais presentes: a luminosa Paris e a boçal e esconsa Lisboa. A história em si comporta aspectos relativos ao mundo do fantástico, especialmente na personagem de Marta, talvez apenas um fantasma carnal, criado para relacionar Lúcio e o seu amigo Ricardo. Note-se que o crime de Lúcio é ter morto Ricardo, algo que não fez, tendo Marta se evolado no espaço assim que Ricardo morre. Este facto comporta a inverosimilhança da sua defesa, o que o leva a ser, de facto, preso.
Como curiosidade, é neste livro que se inicia a temática da homossexualidade na literatura portuguesa. Esta é espiritual, ou aparece presente em gestos simbólicos, conquanto os actos carnais são intermediados por Marta. Com descrições luxuriantes e o rigor vocabular típico da geração da vanguarda, Sá-Carneiro debruça-se sobre os seus temas preferidos: o suicídio(na figura de Ricardo), a perversão (no carácter dissimulado da homossexualidade presente e na despenalização do adultério) e a loucura. Pessoalmente, do pouco que conheço do escritor, achei que Sá-Carneiro se tentou biografar em Lúcio, que era escritor, que destruiu a sua obra e que ainda que não morrendo se considera morto. Note-se que Sá-Carneiro também viveu em Paris, escreveu apenas mais uma novela depois desta, e que se suicidou.
Bichos
"Rosnou, insofrido. Outra vez a mesma conversa de há bocado! Se guardasse o paleio e lhe desse o esqueleto do seu compadre calçudo, melhor fazia!"
"E ficava-se também, quieto e deslumbrado, a olhar uma gota de orvalho pousada no cetim de uma pétala, ou a escutar, de ouvido fito, um rouxinol que cantava na Silveirinha..."
"Frango! Palermas! O pior se daí a nada, logo que a patroa abriu a porta do quinteiro, não galou ali à sua frente a Calçuda, a madre abadessa de todo aquele gado!"
"Quinze mulheres no harém... Que diabo! Mas um homem não se manda fazer. Natureza desgraçada, a sua! Não se fartava!"
"Um segundo a natureza estava suspensa daquela gargalhada. A vida homenageava a vida! Depois continuou tudo a cantar."
Frases de Bichos de Miguel Torga
Nunca tinha lido os Bichos de Miguel Torga. Sei que, ao que consta, agora as crianças devem lê-lo na escola já que faz parte do Plano Nacional de Leitura. Muito bem assim. Os Bichos é um livro despretensioso, uma obra de contos em linguagem de gentes, de bichos como gentes e de amor a Trás-os-Montes. Em poucas páginas escrevem-se comoventes histórias que não querem fazer chorar. O melhor sensação que ler Torga me dá é a de que as coisas tristes não são para nos fazer chorar, mas para nos desenhar um sorriso vago e melancólico sobre as fragas. Em cada conto dos Bichos, vemos o comprometimento do escritor com a humanidade e com a vida, a vida banal, a soma límpida dos dias. Um tratado de linguajar regional e antes de tudo, uma leitura prazenteira e obrigatória. Ler também o habilidoso prefácio do escritor.
Noites Brancas
"Nas suas pestanas negras brilhavam ainda lágrimas do susto recente ou da infelicidade antiga, não sei."
"Não tenho história nenhuma."
"Nástenka, é muita bondade sua que, logo de início, queira ser Nástenka para mim."
"Mete-me medo pensar no futuro, porque o futuro será outra vez solidão (...) e de que poderei falar se, na realidade, já fui feliz a seu lado!"
"(...) depois das minha noites fantásticas,vêm os horríveis minutos do desembriagamento."
"Hoje o dia esteve triste, chuvoso, sem uma única aberta, como a minha futura velhice."
"é que, quando estamos infelizes, sentimos mais a desgraça dos outros; o sentimento não se dispersa, concentra-se..."
"Um minuto inteiro de felicidade! Será pouco, mesmo que tenha de dar para a vida de um homem?..."
Frases da novela Noites Brancas de Fiódor Dostoiévski
Li esta novela de Dostoiévski hoje - as pequenas vantagens de uma acirrada gripe - e posso-vos garantir que não dei o tempo por perdido. Pelo contrário, se o género e a cadência se mantém, o conteúdo, apesar de distinto, é de um sublime cuidado e imaginação narrativa. Trata-se do sonho, mais concretamente dos sonhadores, esses homens que se encontram no entremeio da espécie, quase como uns "quase-homens" como Dostoiévski parece querer descrever. O monólogo (mais uma vez Dostoiévski aposta nos predicados deste género), que é entrecortado por diálogos, conta uma passagem de 4 inícios de noite e uma manhã, por alturas de Junho ou Julho, altura do ano onde em São Petersburgo, por fruto da sua alta latitude, tem dias de 24 horas, ou se preferirem, tem noites com sol. Daí as "Noites Brancas" que encabeçam este livro em conjunto com o subtítulo "Das memórias de um sonhador". No tom dramático e febril que caracteriza Dostoiévski, um sonhador puro, cristalizado no sonho e por isso misantropo, fala pela primeira vez com uma jovem. A princípio ele não sabe como se comportar mas aos poucos, ganha a confiança da jovem. Os encontros passam a ser todos os dias ao fim do dia, que no caso de Petersburgo, não dá lugar à noite. Todo o livro, ainda que de temática terrena, comporta algo de fantástico: a personagem não tem de ir trabalhar; vagueia pelas ruas em horas incertas; passou toda a sua vida sem falar com ninguém excepto com a sua criada... Enfim, a novela vale pela reflexão que faz do sonho e da vida daquele que é sonhador. A vida dos sonhos, perfeita e inexistente, onde o sonhador vagueia até ao inexorável dia em que terá de cair na vida real. Para a personagem, a vida dos sonhos, que é a sua única, é bela, nobre, alegre e feita à medida da sua vontade; enquanto que a outra é vil e suja. Uma outra reflexão aparece como que apensada à primeira: o desperdício da vida enquanto se sonha. Enquanto sonhamos deixamos escapar a vida e quando acordamos, parece à personagem ser tarde demais, não tanto porque já somos velhos mas porque agora somos velhos e dói-nos a lucidez, a descoloração dos nossos sonhos, e a solidão real que sobra depois de sonhar.
Uma obra que sobreveio aos Cadernos do Subterrâneo , e que é importante para os amantes do escritor saberem o que ele pensava sobre um tema que lhe era querido, sobre o qual sabe-se, ele pensou dedicar um romance.
"Não tenho história nenhuma."
"Nástenka, é muita bondade sua que, logo de início, queira ser Nástenka para mim."
"Mete-me medo pensar no futuro, porque o futuro será outra vez solidão (...) e de que poderei falar se, na realidade, já fui feliz a seu lado!"
"(...) depois das minha noites fantásticas,vêm os horríveis minutos do desembriagamento."
"Hoje o dia esteve triste, chuvoso, sem uma única aberta, como a minha futura velhice."
"é que, quando estamos infelizes, sentimos mais a desgraça dos outros; o sentimento não se dispersa, concentra-se..."
"Um minuto inteiro de felicidade! Será pouco, mesmo que tenha de dar para a vida de um homem?..."
Frases da novela Noites Brancas de Fiódor Dostoiévski
Li esta novela de Dostoiévski hoje - as pequenas vantagens de uma acirrada gripe - e posso-vos garantir que não dei o tempo por perdido. Pelo contrário, se o género e a cadência se mantém, o conteúdo, apesar de distinto, é de um sublime cuidado e imaginação narrativa. Trata-se do sonho, mais concretamente dos sonhadores, esses homens que se encontram no entremeio da espécie, quase como uns "quase-homens" como Dostoiévski parece querer descrever. O monólogo (mais uma vez Dostoiévski aposta nos predicados deste género), que é entrecortado por diálogos, conta uma passagem de 4 inícios de noite e uma manhã, por alturas de Junho ou Julho, altura do ano onde em São Petersburgo, por fruto da sua alta latitude, tem dias de 24 horas, ou se preferirem, tem noites com sol. Daí as "Noites Brancas" que encabeçam este livro em conjunto com o subtítulo "Das memórias de um sonhador". No tom dramático e febril que caracteriza Dostoiévski, um sonhador puro, cristalizado no sonho e por isso misantropo, fala pela primeira vez com uma jovem. A princípio ele não sabe como se comportar mas aos poucos, ganha a confiança da jovem. Os encontros passam a ser todos os dias ao fim do dia, que no caso de Petersburgo, não dá lugar à noite. Todo o livro, ainda que de temática terrena, comporta algo de fantástico: a personagem não tem de ir trabalhar; vagueia pelas ruas em horas incertas; passou toda a sua vida sem falar com ninguém excepto com a sua criada... Enfim, a novela vale pela reflexão que faz do sonho e da vida daquele que é sonhador. A vida dos sonhos, perfeita e inexistente, onde o sonhador vagueia até ao inexorável dia em que terá de cair na vida real. Para a personagem, a vida dos sonhos, que é a sua única, é bela, nobre, alegre e feita à medida da sua vontade; enquanto que a outra é vil e suja. Uma outra reflexão aparece como que apensada à primeira: o desperdício da vida enquanto se sonha. Enquanto sonhamos deixamos escapar a vida e quando acordamos, parece à personagem ser tarde demais, não tanto porque já somos velhos mas porque agora somos velhos e dói-nos a lucidez, a descoloração dos nossos sonhos, e a solidão real que sobra depois de sonhar.
Uma obra que sobreveio aos Cadernos do Subterrâneo , e que é importante para os amantes do escritor saberem o que ele pensava sobre um tema que lhe era querido, sobre o qual sabe-se, ele pensou dedicar um romance.
Dessem-mos caramba!
O recém-formado gigante Leya transformou grandes obras em pasta de papel. Não se trata de metaforizar, é literal. Miguel Esteves Cardoso escreveu assim.
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