Manjar de Mafra: temos ornitorrinco

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Agora que o congresso se finou, parece-me importante ver o que sobrou. O congresso foi importante para o PSD. Seria sempre importante, nem que servisse apenas para mitigar os impactos nefastos das directas. Na parcimónia de meios (a falta que faz o poder) do escolástico pavilhão onde se passou o congresso, alguns acontecimentos merecem uma atenção mais cuidada.

Os Candidatos

Definitivamente, só um dos três candidatos (são quatro mas serão necessariamente apenas três), parece estar à altura dos desafios que o país enfrenta. Esse candidato, Aguiar-Branco, não só me parece o mais competente como também o mais credível, e o único que por ter medidas e ideias concretas, não tem tempo para folclores laranjas. Por isso, é, fruto das directas, uma carta fora do baralho. Aparece nas últimas sondagens com 8%, e se tudo correr bem, fica-se pela não desistência. O seu discurso foi interessante, preocupado com o conteúdo, e por isso sem palavras mágicas, baboseiras que arrancam aplausos estudados e contados à cabeça. Para além disto, nutro uma merecida e particular simpatia por um candidato que preferiu estar no parlamento a debater o orçamento e o PEC do que em campanha partidária. Sabendo que os militantes de base não lhe agradeceram, da minha parte fica o agradecimento.

Paulo Rangel, que tinha tudo para ser um sósia de Aguiar-Branco, parece ter escolhido o caminho inverso. Prometera cumprir o mandato europeu mas entretanto deu o dito pelo não dito. Isso foi patente na impreparação e vacuidade do seu discurso. Primeiro sobre o arrozado em que discursou na sua apresentação de candidatura, mascarado com o balbuciar de uma ruptura vaga e imprecisa. Depois através dos debates, onde foi considerado o menos capaz dos candidatos pela crítica. Ontem esteve melhor, esteticamente melhor. Adicionou à ruptura a "dessocratização", outra aglutinação gramatical de conteúdo nubloso. Com mais este artifício de linguagem conseguiu convencer os já convencidos. Bateram palmas com mais força, e de soslaio, contaram os que não batiam palmas. Desta candidatura sobrevém a clara ideia de precipitação. A sensação de que Rangel não quis perder o comboio do poder, e que vendo na crise da dívida o derradeiro epílogo de Sócrates, atravessou-se na linha...

O mais provável dos vencedores e o pior dos candidatos - assim são as directas de um partido - teve um lapso que, num congresso à antiga, lhe teria custado a vitória. Felizmente para ele, parece sair do congresso como entrou: na cabeça (vazia) do pelotão. Um discurso de "Sócrates com laranja" granjeou-lhe um excelente início, algo que deitou a perder a partir do momento em que se embrulha, ora com a mesa, ora com Alberto João Jardim. Depois, os aplausos deliquescentes; como estava no cartaz. Este texto que escrevi há quase um ano, parece fazer cada vez mais sentido.

O PSD

Há muito que fazia falta ao PSD um congresso de união. Muitos usaram-no para desabafar, como Menezes ou Mendes; fizeram bem. Notei que o congresso estava enleado por um clima de pré-poder, uma hipnose tácita a um líder que ainda se procura. Só assim se explica a aprovação deste regulamento rolha, anti-democrático, votado certamente de forma acrítica, como convém a quem almeja o poder pelo poder. Um pequeno apontamento para o congresso: Santana Lopes tem a sua vitória logística.

As directas

E agora esse cancro democrático, as directas. Método que para além de cristalizar facções dentro dos partidos, só contribui para assaltos de poder, antes palacianos, agora nas urnas, pejadas de votos controlados pelos caciques (que em alguns casos até pagam as cotas aos militantes). As directas não só promovem piores candidatos como obrigam os vencedores a alimentar as clientelas que os elegeram. Os candidatos giram numa eleição interna como se do país se tratasse, precisam de se atacar, de vincar diferenças; perdendo toda a capacidade para se juntarem no mesmo palanque no fim do acto eleitoral. Os últimos líderes do PSD sofreram isso na pele. Manuela Ferreira Leite sofreu também o síndrome dos 30%, esse ataque de legitimidade que provavelmente, dado haverem 4 candidatos, também o futuro vencedor sofrerá. No PS, o fenómeno Alegre é resultado das directas. Enfim, não existe justificação plausível para as directas, e esse é o grande desafio do próximo presidente do PSD.

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