Memória de Elefante

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"... a solidão absoluta, o que em nós próprios não conseguimos suportar, os mais escondidos e vergonhosos dos nossos sentimentos, o que nos outros chamamos de loucura que é afinal a nossa e da qual nos protegemos a etiqueta-la, a comprimi-la de grades, a alimenta-la de pastilhas e de gotas para que continue existindo(...) e encaminhá-la na direcção de uma «normalidade»"

"... quando nós nascemos já o Salazar transformara o país num seminário domesticado."

"Dá-me ideia às vezes que Portugal todo é um pouco isso, o mau gosto da saudades em diminutivo e latidos enterrados debaixo de lápides pífias."

"O gosto do silêncio e o fitarmo-nos como estranhos separados por distância impossível de abolir, que pensarás de facto de mim, da minha vontade informulada de te reentrar no útero para um demorado sono mineral sem sonhos..."

"O seu egoísmo media a pulsação do mundo consoante a atenção que recebia: só tarde demais acordara para os outros, quando a maior parte lhe havia voltado as costas enfastiados pelas estupidez da sua arrogância e o sarcasmo desdenhoso em que cristalizava a timidez e o medo."

"O psiquiatra recostou-se para trás na cadeira e procurou no bolso o terceiro cigarro dessa sessão: (...) se o faço porque diabo o faço? (...) Ou simplesmente o faço por de mais nada ser capaz e constituir esse meu peculiar modo de me sentir no mundo, como um alcoólico tem de beber para se certificar que existe ou um marialva tem de fornicar para se assegurar que é homem?"

"Quem sou eu? Interrogo-me e a respostas consiste, obcecadamente, invariavelmente, assim: Uma Merda."

Frases de "Memória de Elefante de António Lobo Antunes

Mais um daqueles livros com tendência para se chamar autobiografia encapuçada. A personagem principal é um médico psiquiatra, tal como o próprio autor, que trabalha em Lisboa depois de vir de Angola. Pois... tal como o próprio... Depois a personagem acaba sempre por não ter nome, o que acaba por salientar o carácter egotista do livro. Contudo, este é uma crítica dura, com o vocabulário desconcertante tão próprio do escritor, que as nossas memórias fazem a nós próprios. Aliás, é nisso que reside todo o cerne do livro. Um homem que se separou da mulher, que a ama, mas que se afastou sem conseguir voltar, que a ama demais para enfrentar as dificuldades do amor, que a ama demais para voltar a estragar tudo outra vez. A sensação de culpa, mas sobretudo de impotência, como que um esticar de braço onde nunca se chega (bem patente num episódio onde vai espreitar as filhas à saída da escola) dominam a narrativa que nos é testemunhada através dos pensamentos da personagem, sempre vivos, nítidos e de uma confusão sempre tão bem exprimida pela vaniloquência benigna de António Lobo Antunes. Lançado no mesmo ano que Os Cus de Judas, não prende tanto, e a meu ver, a história é mais redutora em torno único e exclusivo do médico anónimo. Na minha opinião, não é tão bom quanto o seu predecessor. Na verdade, senti por vezes que se tratava quase de um continuar do livro anterior.

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