A ilógica da realidade legislativa/partidária

|
Nota: Escrito no dia da aprovação do Casamento Homossexual na AR. Por motivos de logística, só publicado hoje.

Deixo como notas breves, três erros clamorosos acerca da condução do processo do Casamento Homossexual deliberado pelo parlamento. Note-se que isto, em nada contradiz ou reforça a posição perante o assunto, mas sim o método como se trata o assunto. Trata-se portanto, de uma análise metodológica.

1 erro

O BE vai votar a favor de um articulado na sua generalidade, articulado esse que diz ser inconstitucional. Para além disso, discorda do mesmo, de modo que vai voltar a propor a adopção no plano da especialidade. Assim de repente vejo que o BE, não só não tem pejo em legislar à revelia da Constituição, como também, dá muito pouca importância aos fins do seu voto, como se ele não os vinculasse a uma posição. É de tal forma grave que, mesmo num diploma pelo qual se bateram favoravelmente através do voto, têm ainda o arrojo de o discutirem enquanto oposição ao mesmo.

2 erro

O PS propõem o casamento homossexual ainda que limitado no que à adopção e à filiação diz respeito. Trata-se de um erro lógico, onde a inconsistência da conclusão não segue as premissas. Se o casamento homossexual deve ser legal porque se tratam de pessoas iguais aos heterossexuais, então porquê limitar esses direitos? Para quem sustenta a tese de que se deve tratar de um casamento e não de um regime legal específico, próprio para as situações específicas, então porque trata-lo com exclusões de excepção? Não será isto uma admissão de que não se trata da mesma coisa, à qual, por motriz político-demagogica, se pretende chamar exactamente o mesmo. Para além desta grave inconsistência lógica, onde a discriminação se mantêm, e são os próprios alvissareiros da igualdade a rebaixa-la novamente, acresce o lanho de inconstitucionalidade que parece, dizem as sumidades da matéria, sair desta lei tergiversa. Pessoalmente, fico feliz por saber que a nossa Constituição ainda desenvolve na base de que duas coisas que se igualam no seu exacto enquadramento jurídico, tem de seguir portanto, as mesmas normas. Neste caso, entenda-se, dois tipos de casamentos, um com filiação e adopção, e outro sem, é ridículo. Trata-se de liberalizar, mas só um bocadinho. Há progressos retrocessivos... Um absurdo lógico, e jurídico ao que consta, que descredibiliza, para quem ainda precisava de provas, as luminárias legislativas que se sentam e se levantam a mando de uma disciplina partidária circense.

3 erro

O PS não dá liberdade de voto nesta matéria. Discordo porque desde sempre entendi tratar-se de uma questão do foro moral, de entendimento social, mais que político, económico ou administrativo. Tanto é assim que sou defensor do referendo sobre a matéria. Contudo, enquadrado numa lógica de filiação partidária e programática, aceito que se possa instaurar a disciplina de voto. É Estalinista q.b., mas tem, defendendo algumas asserções, coerência. Ora, o que não tem coerência é o regime de excepção. Ponto um: os deputados independentes e activistas gay concordaram com as mesmas linhas programáticas do que os outros, bem como com o seu nome constar das linhas de um partido que se roga de ter um determinado projecto lei num determinado sentido. Ponto dois: a atribuição parece arbitrária. Alguns dos deputados do PS, com um argumentário cada vez mais sinistro no palavroso fleumático da pluralidade partidária, dizem que o partido é muito grande. Parece um argumento construtivo para explicar o que estes deputados podem fazer e dizer e os outros não? Não. Francisco Assis, que teve de “entender” o “grande consenso da bancada” talvez imposto por Sócrates, dá liberdade a um número suficiente para não estragar o arranjo aritmético, mascarando, isso sim, o arranjo pseudoliberal. Devolvam-nos o PS.

By the way: Neste devir de igualdade, não deveriam aqueles que defendem o casamento ser também a favor da adopção? É que se a premissa para o Casamento Gay e Lésbico é o da igualdade na constituição familiar segundo um contracto jurídico, temos de assumir que é porque Gays, Lésbicas e Heterossexuais são ligações igualmente habilitadas para esse contracto. Se estamos perante iguais, pessoas e mais concretamente relações, (até porque ninguém discute que os Gays ou Lésbicas sejam diferentes enquanto pessoas), não estaremos a fundar a descriminação, um tanto arbitrária, ao não dar a todas as relações entre pessoas que possam casar, os mesmos direitos?

0 horizontes dispersos: