De profundis, valsa lenta

|
"Verdade, também isso se perde porque a memória, aprendi por mim, é indispensável para que o tempo não só possa ser medido como sentido."

"Perdeu os estímulos de aproximação porque, sem a consciência da identidade que nos posiciona e nos define num framework de experiências e valores, ninguém pode ser sensível à valia humana do semelhante."

"E com esta deixara-o de boca às moscas porque machista devia ser uma palavra que não lhe constava lá muito bem."

"Num golpe repentino tinha perdido a inteireza da fala, no mesmo golpe tinha perdido os valores da grafia e ficara analfabeto de mim e da vida."

Frases retiradas do relato "De profundis, valsa lenta" de José Cardoso Pires

Este pequeno livro, que se lê de um só trago, conta-nos a história do próprio, a contas com um coágulo sanguíneo que lhe retirou a memória. Tratam-se por isso das memórias, se me é permitido o jogo de palavras, sombrias, daquilo a que o próprio apoda de morte branca. Um relato de agradecimento do escritor para com os médicos do serviço de Neurologia do Hospital de Santa Maria. Um retrato simples, sem eloquentes decoros estilísticos, sobre a situação nublosa em que vive um amnésico e o seu despertar, saboroso como uma nova vida depois do nulo, como o próprio descreve. Apontamento para a forma como o escritor se põe perante si próprio, chamando-lhe o Outro e tratando-se por Ele, como forma de gramaticar a sua ausência, até de si próprio.

0 horizontes dispersos: