Jerusalém

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"Estar doente é ter dado um passo mau, um passo diabólico..."

"Nunca se encontraria com alguém num dia em que estivese com demasiadas dores. Tal seria desistir de ser humana..."

"Hanna não pintava as pálpebras de cor roxa para ser amada, mas sim para que a solidão de um homem visse ali uma interrupção exuberante."

"Aparecer porque se quer desaparecer. Aparecer porque se quer fazer aparecer outra coisa. O altruísmo material era o altruísmo moral e não havia outro."

"(...) uma sensação constante de medo, que precisamente por nunca desaparecer, por "nunca descansar" adquiria com os anos um estatuto bem diferente das circunstâncias, quase teatrais, que interferem habitualmente na excitação de um corpo. "

"Eu não posso lutar consigo, eis a frase mais ofensiva que Kaas alguma vez ouvira."

"Era evidente que os raciocínios normais de Theodor haviam sido brutalmente interrompidos pela existência. Sem a hipótese de rasuras a vida tornara-se, em pouco tempo, outra, estranha, sem a sua vontade e sem o seu consentimento."

"O progresso depende apenas da velocidade do mal e das respostas que este provoca..."

Frases de Jerusalém, de Gonçalo Tavares

Prémio Ler/Millenium BCP (2004), Prémio Portugal Telecom de Literatura (2007) e mais importante que tudo, Prémio Literário José Saramago (2005). Assim podemos introduzir Jerusalém. É, a meu ver, das piores introduções possíveis. O livro merece ser lido, quase percebido, sem dúvida meditado. Gonçalo Tavares, aquele que Saramago diz que tem tudo para ganhar o Nobel, entra com o Jerusalém para uma galeria distinta. Uma história, de loucos e menos loucos pululando entre capítulos, dispersos, vagos, arrancando in media res, saltando para trás e para a frente num ardil cronológico de génio. O encadeamento, lógico no caos, entre prolepses e analepses, cria um intrincado temporal que fascina, e dá maior sentido à narrativa. Neste domínio, Jerusalém é primoroso, inspirador. Depois vem a história. Mylia e Theodor são, para mim, as personagens principais. Parece-me justo dizê-lo. Mas estou certo que há quem não ache assim.Uma grande espaço é uma cidade incógnita, com muitas igrejas, bairros de prostituição e um manicómio de prestígio. Nada nos garante que estamos em Jerusalém. A loucura e a crueldade humana são a base de uma história de carácter quase ensaístico. Para além disso, Theodor desenvolve ao longo do livro, um estudo sobre a crueldade humana. A perspectiva de prever as épocas de maior ou menor terror da Humanidade é o que procura o seu modelo. Para Theodor, a subida do mal ou a sua extinção eram coisas boas, porque de uma maneira ou outra, ele acabaria por morrer. O problema seria se o mal fosse uma força constante, sempre presente, numa porção ameaçadora, nunca capaz de acabar consigo própria. Uma ideia muito interessante. A linguagem é simples, estilisticamente simples, mas a mensagem é sobremaneira complexa. Um livro diferente, sobre a escuridão dos homens, que pela sua idiossincrasia, se trata de uma grande romance da nova literatura portuguesa.

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