Desespero

|

"Mas a verdade é que a amava por ela me amar."

"Por exemplo, era capaz de estar na cama com Lydia, desafiando as breves séries de carícias preparatórias a que teoricamente ela tinha direito, e de repente ter consciência de que o diabo da Cisão se tinha imposto."

"E o resto foi tudo inventado, a religião, a poesia... oh donzela, como sofro, oh, o meu pobre coração! Não acredito no amor. Já a amizade, isso é outra história. A amizade e a música."

"...um mundo em que o trabalhador que cai morto aos pés da sua máquina será imediatamente substituído pelo seu perfeito duplo sorrindo com o sorriso sereno do perfeito socialismo."

"Qual autor relendo a sua obra mil vezes, verificando e testando cada sílaba e no fim incapaz de dizer de aquele mosaico de palavras se é bom ou não, assim aconteceu comigo, assim aconteceu."

Expressões retiradas de Desespero de Vladimir Nabokov

Auto-desafio, entretém intelectual, auto-elogio, farpa inimiga aos clássicos (Dostoiévski sobretudo) e aos comunistas, desabafo. Um pouco de tudo isto vindo de uma história onde Nabokov parece apenas querer impressionar o leitor. Escarrapachar em cada linha o seu talento estudado. Pouco depois de começar, já nos contava que poucos escreveriam como ele, até porque ele tinha lido mil e dezoito livros entre 1914 e 1919. A história trata de um homem - um Nabokov fugido da realidade factual - que num delírio se convence de ter encontrado o seu duplo perfeito. Depois, a personagem, envolta numa êxtase narcisista e desassombrado, resolve assassinar o seu duplo e forjar a sua morte, talvez não tanto pelo prémio do seguro de vida - que serve de móbil assumido ao crime -, mas antes por exercício de superioridade intelectual. A procura do crime perfeito, ou talvez do super-homem de Nietzsche. Uma história que mistura a crítica à URSS e à cultura Russa com um romance introspectivo e intrincado; sempre salpicado de profundo talento e capacidade de subversão escrita e imaginária.

0 horizontes dispersos: