Súplicas Atendidas

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"A verdade é que raramente estou com a pessoa com que estou, por assim dizer; e tenho a certeza de que muitos de nós, até a maior parte, partilham esta dependência de um cenário interior, fragmentos eróticos imaginados e lembrados, sombras irrelevantes do corpo por cima ou por baixo de nós - o nosso espírito aceita estas imagens aquando do orgasmo sexual, mas exclui-as logo que a nossa animalidade foi saciada, porque, independentemente do nosso grau de tolerância, esses fantasmas são insaciáveis aos olhos maldosos dos espias que nos habitam."

"Como é que eu posso, quando uma senhora destas não me deixa concentrar em matérias mais excitantes do que os seus grunhidos?"

"Tenho um amigo que não aprecia as mulheres apesar de não ser homossexual. Costuma dizer-me: As únicas mulheres com quem me amanho são a Sr.ª Punho e as suas cinco filhas - é asseada, nunca faz cenas, é de borla, fiel e está sempre à mão."

"Pode-se argumentar que mesmo as pessoas mais decentemente acasaladas foram, de início, atraídas pelo príncipio da exploração mútua - sexo, protecção, ego saciado..."

"«E agora», disse num tom surpreendentemente casual, «diga-me o que espera da vida»."

"Claro que os homens têm momentos adultos de vez em quando, dos quais a morte é o mais importante. A morte põe certamente o miúdo traquinas em fuga e deixa o que resta de nós inerte, sem vida, mas puro como a Rosa Branca."

"(...) tudo seria meu no dia em que Milhões com Insónias fosse publicado.
Excepto que nunca foi."

"Tânger é uma peça branca de escultura cubista na encosta em frente da baía de Gibraltar. Desce-se do cimo da montanha, através de um subúrbio para a classe média salpicado de feias vivendas mediterrânicas, para a cidade «moderna»..."

"Deu-se então conta de que possuía centenas de compinchas, mas nenhuns amigos, daqueles a quem se pode telefonar às três da matina."


Excertos de Súplicas Atendidas de Truman Capote


A dissimulada biografia inacabada de Capote é um livro desassombrado sobre uma vida boémia e, em todas as direcções, exagerada. A linguagem clara e directa dá à narrativa um divertimento suplementar e, apesar de em nada se assemelhar ao "romance de cordel", prende a atenção do leitor. Para quê? Para nada. Peripécias avulsas num livro brutalmente interrompido pela morte do seu escritor. É-me aliás estranho conceber a edição de um livro que, em momento algum faz menção de acabar, um pouco como um Homem Sem Qualidades de Musil, com a diferença que aqui se nota claramente que o projecto está interrompido, enquanto que na obra de Musil, o projecto é mesmo infinito. Voltando a história, pode-se esperar o conto desconcertante da vida de um escritor errático, de índole travessa, que deliciosamente se cruza com personagens reais como Sartre, Camus ou a Duquesa de Windsor. Enfim, linhas que divertem muito, o que já de si é uma grande vitória contra a dita literatura "mais pesada".

Uns poemas na televisão

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Saúdo o conceito e a forma como ele aparece aqui vendido na televisão privada. À especial atenção dos interessados o último poema.

Europe à la carte

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"Não devíamos esperar que fosse a Europa que nos desse um futuro."

Ramalho Eanes

À consideração da intriga benevolente

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Oh lááá...

O retrato exacto disto

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O retrato feito nos primeiros 20 minutos deste vídeo são de triste antologia. Subscrevo totalmente, e a falácia da nossa putativa Esquerda em Portugal, de politicas de conteúdo tartamudeado entre palavras excelentes, está escarrapachada no minuto 12 deste vídeo. Isto é serviço público.

A Estrada Real

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"- Quem se mata corre atrás duma imagem que se formou de si próprio; ninguém se mata senão para existir."

"Desconcertado por sofrer, não só pela morte daqueles que amava, mas ainda pela de uma mulher que não amava, suportou a sua morte, quando ela chegou, com uma resignação desanimada."

"-Nunca se faz nada da vida.
- Mas ela faz qualquer coisa de nós.
-Nem sempre... Que espera da sua?
(...)
-Creio que sei sobretudo o que nã espero dela...
-Cada vez que teve de optar...
-Não sou eu quem opta: é o que resiste."

"Porque é que trabalhavam? Para ganharem consideração. (...) A submissão à ordem do homem sem filhos e sem deus é a mais profunda das submissões à morte..."

"Não sabe o que é o destino limitado, irrefutável, que cai sobre um homem como o julgamento sobre o prisioneiro: a certeza de que se será isso e não outra coisa, que se terá sido isso e não outra coisa, que o que não se teve, nunca se terá."

"É quando entra em declínio que uma pessoa se deve matar, mas é precisamente quando se entra em declínio que se volta a gostar da vida..."

"Você sabe tão bem como eu que a vida não faz o menor sentido: não é por se viver só que se escapa à preocupação do seu destino..."

"-Não é para morrer que penso na minha morte, é para viver."

"Agora, não há nada pior que aquilo que era a esperança.

"Sentiu furiosamente o desejo de disparar sobre ele, como se só o assassínio lhe tivesse permitido afirmas a sua existência."

Excertos da obra "A Estrada Real" de André Marlaux

Livro de aventuras inspirado nas florestas do Sião e no espírito tribal das gentes da área de Angkor-Wat, Malraux usa dos seus conhecimentos da área - onde de facto viveu -, para exarar este livro de pendor profundamente humanista. Esta obra, escrita três anos antes de A Condição Humana, é talvez o prelúdio do seu conteúdo. Com uma história linear, ainda que confusa no estilo, a narrativa vale sobretudo pela descrição agreste da floresta e dos ambientes húmidos das floresta do Sião, nas regiões hoje de Laos e Cambodja. Também nas personagens não se estabelece uma grande teia, vivendo-se invariavelmente na dupla que move a acção. Por isso, acaba por ser o conteúdo humanista que sobressai, particularmente na construção de diálogos quase impossíveis fora do mundo literário. Uma imprecisão realística que muito valoriza o livro, pois este, na minha opinião, apenas impressiona pelo exegese filosófica que faz da morte e da vida (parece-me ser esta ordem naturalmente invertida a correcta neste caso). A Estrada Real é um livro sobre a morte, a fraqueza da condição humana, e a força de, na vida absurda, haver uma morte pacificada.

Marginalizar as ilhas

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Observando a composição das listas para a Assembleia da República, observo, já com pouca estupefacção - miserável sinal dos tempos -, que Alberto João Jardim será o cabeça de lista pelo evidente PSD ao círculo eleitoral da Madeira, seguido de perto na peugada por Ricardo Rodrigues que, em idêntica posição, se apresenta, com a mesma elementaridade, pelo PS no círculo dos Açores.

As gentes das ilhas irão, como bons cidadãos, escolher entre as escolhas. Na Madeira, um cabeça de lista que não assume o cargo não comporta já, qualquer novidade. Nos Açores, eleger-se-á aquele que foi um dos braços armados do governo na AR.

Força nisso.

Literatura low-cost em tempos de FMI

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À atenção dos interessados. Bons livros, de autores mais ou menos controversos, ao preço acessível, próprio das colecções. Por vir atrasado, escapou-me o primeiro volume, mas ainda o vou tentar resgatar. Ter A Mãe, O Castelo ou Três Mulheres por 5,95€ só pode ser bom negócio.

Património

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"Louie Chesler está num hospital, a urinar sangue. Ida Singer não vê quase nada. Milton Singer não pode andar e está numa cadeira de rodas. Turro - lembras-te do Dick Turro? - tem cancro, coitado.(...) Conseguia, assim, não pensar inteiramente no seu tumor."

"A morte de um progenitor é horrível. Quando a minha mãe morreu, eu não fazia ideia de que me ia sentir como me senti. Metade, ou mais, da vida desaparece."

"- Era um merdas e um falhado e queria que eu também fosse um falhado. A miséria adora companhia."

Excertos de Património de Philip Roth

Um não-romance, obra biográfica romanceada; este é o tributo de Roth ao seu próprio pai. Confesso que poderei ter escolhido mal. Isto não é o protótipo de livro com que se dê o tiro de partida para qualquer escritor. Ainda assim, o livro segue o aspectos gerais que vejo em Auster ou até mesmo em Truman Capote. Resumindo, a literatura americana não me entusiasma por aí além. Injusto? Talvez, e Roth é um eterno candidato ao Nobel, mas as linhas soam sempre mais ao menos ao mesmo. A uma escrita escorreita mas demasiado despreocupada, onde o escritor entra em nós não como um ente genial ou um amigo de longa data a precisar de desabafar, mas num meio termo que me é incomodativo. De resto, é um livro sobre a morte anunciada de um pai e tudo o que isso acarreta. Melhor, é sobre o que isso provoca em nós. É sobre a morte sempre prematura, mesmo aos 86 anos; sobre a eterna compreensão depois de anos de mágoas geracionais; sobre a decadência que colhe a sabedoria; sobre a genética dos sentimentos genéticos. Nisso, este livro é bom.

Desespero

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"Mas a verdade é que a amava por ela me amar."

"Por exemplo, era capaz de estar na cama com Lydia, desafiando as breves séries de carícias preparatórias a que teoricamente ela tinha direito, e de repente ter consciência de que o diabo da Cisão se tinha imposto."

"E o resto foi tudo inventado, a religião, a poesia... oh donzela, como sofro, oh, o meu pobre coração! Não acredito no amor. Já a amizade, isso é outra história. A amizade e a música."

"...um mundo em que o trabalhador que cai morto aos pés da sua máquina será imediatamente substituído pelo seu perfeito duplo sorrindo com o sorriso sereno do perfeito socialismo."

"Qual autor relendo a sua obra mil vezes, verificando e testando cada sílaba e no fim incapaz de dizer de aquele mosaico de palavras se é bom ou não, assim aconteceu comigo, assim aconteceu."

Expressões retiradas de Desespero de Vladimir Nabokov

Auto-desafio, entretém intelectual, auto-elogio, farpa inimiga aos clássicos (Dostoiévski sobretudo) e aos comunistas, desabafo. Um pouco de tudo isto vindo de uma história onde Nabokov parece apenas querer impressionar o leitor. Escarrapachar em cada linha o seu talento estudado. Pouco depois de começar, já nos contava que poucos escreveriam como ele, até porque ele tinha lido mil e dezoito livros entre 1914 e 1919. A história trata de um homem - um Nabokov fugido da realidade factual - que num delírio se convence de ter encontrado o seu duplo perfeito. Depois, a personagem, envolta numa êxtase narcisista e desassombrado, resolve assassinar o seu duplo e forjar a sua morte, talvez não tanto pelo prémio do seguro de vida - que serve de móbil assumido ao crime -, mas antes por exercício de superioridade intelectual. A procura do crime perfeito, ou talvez do super-homem de Nietzsche. Uma história que mistura a crítica à URSS e à cultura Russa com um romance introspectivo e intrincado; sempre salpicado de profundo talento e capacidade de subversão escrita e imaginária.

Façam o favor de comparecer

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Aos interessados, é só comunicarem!