"Menos a questão da morte, senhor, se não voltarmos a morrer não temos futuro."
"(...)as pessoas condenadas a desaparecer não resolvem os seus assuntos, não fazem testamento, não pagam os impostos em dívida, e, quanto às despedidas da família e dos amigos mais chegados, deixam-nas para o último minuto, o que, como é evidente, não vai dar nem para o mais melancólico dos adeuses."
"(...) se lhe viesse a suceder uma infelicidade, ainda teria oito dias, cento e noventa e duas horas para viver. Umas orgiazinhas de sexo, droga e álcool, como tinha ouvido dizer que se organizavam, ajudá-lo-iam a passar para o outro mundo, embora correndo o risco de que, lá no assento etéreo onde subiste, se te venham a agravar as saudades deste."
"(...)mas o mais provável é que amanhã já lhe tenha passado o resto da emoção de hoje, e, assim como me apareceu, desaparecerá."
"E como as esperanças têm esse fado que cumprir, nascer umas das outras, por isso é que, apesar de tantas decepções, ainda não se acabaram no mundo..."
Excertos do livro As Intermitências da Morte de José Saramago
Intitulado como romance, esta obra de Saramago, uma das mais conhecidas e da "pós-nobelização", só me pode ser entendida como um ensaio. Em primeiro lugar porque o enredo é primário. Baseia-se num conjunto de acontecimento sucessivos, ainda que saltados no tempo, mas sem estória principal. Em segundo lugar, porque o livro serve para o autor ensaiar certas possibilidades mais ou menos funestas onde pontifica a ideia de suspensão da morte por tempo indeterminado. O tumulto político, social e económico causado por esta alteração de fundo serve de base a (mais) uma diatribe critica no seu tom preferido: a ironia. Para além deste ensaio destaca-se a possibilidade de sermos notificados da nossa própria morte com uma semana de antecedência, outro absurdismo do escritor. Só no fim do livro temos a possibilidade mística - fazendo até lembrar toda a novela de O memorial do Convento - de ver a morte envolvida num romance, desta feita com um comum mortal fora de prazo, isto é, que a morte esquecera de matar. Por ser mesmo no final do livro, fica a faltar densidade à personagem do violoncelista, ainda assim interessante. O desenlace, que como em outros ensaios do autor, não resolve toda a trama, está, na minha opinião, muito bem conseguido, dando a esta obra de Saramago aquilo que falta em algumas outras, um final coadunado com a qualidade de toda o livro. Como conclusão, um livro difícil de ler, porque nunca prende verdadeiramente o nosso interesse, mas com um laivo de bom romance - o final - e boas conclusões ensaísticas como a actuação da Maphia ou as reacções humanas às diferentes circunstâncias desta morte mutável.
1 horizontes dispersos:
O final não me satisfez. A mim, o livro valeu-me apenas pelo tom ensaístico da resposta da sociedade à ausência de morte que, à partida, é uma coisa em que todos pensamos (a imortalidade).
Segue-se Bartleby ;)
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