O Eleito

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"... a velhice tem de envergonhar-se perante a mocidade porque é repelente. Entretanto, a dignidade vale tanto como a beleza."

"Para fazer penitência pelo seu crime e ignomínia, encontrará aqui maiores felicidades se a sua bondade tiver ao seu dispor os seus haveres. Sem fortuna só lhe restaria a bondade, e de que serve a bondade sem dinheiro?"


"Vós, mulheres, tendes cérebro de pássaro; só entendeis tudo o que diz respeito a problemas de carne e crianças lindas, mas escapa-vos o significado da honra e da política."

"Deus não quer que o Homem viva em grande calma; envia-lhe a inquietação para sua penitência e incita-o a criar ele próprio o desassossego que o devora."

"Todavia, parece-me admissível certa diferença entre aquilo que um homem culto deve ceditar e a fé do vulgo."


"Espero continuar a ter em vós um fiel servidor. Todavia, não vos tenho amor. Embora me tenhais eleito para vossa soberana, não achais graça diante de mim (...) Decerto obedecestes aos ditames da honra e da política."


"(...) pões-te a falar com essa boca fidalga à nossa maneira e é insuportável, porque para falar como o povo é preciso ter goelas do povo..."

"(...) porque cada um de nós traz em si o desejo de voltar atrás e reviver o passado, para transformar a desgraça em ventura, pela magia da saudade."


"O dia despontava cedo ou tarde, cobria-se o céu de tons róseos, inflamava-se, desmaiava na púrpura moribunda, espraiando-se em reflexos para os lados do Oriente."

"É raro enganar-se em absoluto aquele que no bem descobre uma ponta de maldade."


Excertos da obra "O Eleito" de Thomas Mann

Obra verdadeiramente notável do Nobel alemão Thomas Mann; parte de uma história que não é sua, mas sim de uma lenda épica dos tempos mediavais, onde por inacreditável sucessão de ignomínias, Gregorius consegue a redenção, e por último, o trono papal. A história do Papa São Gregório, édipo cristão, é narrada de forma sublime, num texto escorreito de alcance metafórico raro, onde o narrador, um abade, descreve quase intimamente, os preceitos pecadores em que a Igreja assenta. Apesar de isso, muito menos que controverso, o livro denota brilhantismo na forma como aborda assuntos tão delicados e queridos à Cultura Ocidental. Algumas das frases que anotei acima, são belos pontos de partida para a discussão sobre os fundamentos da Igreja Católica, que neste livro são violentamente truncadas com um destino acidental e puramente humano e - na gíria eclesiástica pecador - daquele que viria a ser papa. Para além disso, a narrativa não põem em causa o carácter benigno da Igreja, antes devasta o pedestal inumano em que esta assenta, pondo a tónica numa Igreja como associação política de humanos. Estabelece-se assim, por esta maravilhosa metáfora que é toda a narrativa, a importância vital do pecado na ideologia cristã, bem como um corolário moral onde qualquer mal parece ter redenção, desde que seja fundado em puro arrependimento. Para quem gosta de escrutinar o tema, e também para quem não gosta, a riqueza de escrita e conteúdo tornam esta obra obrigatória.

Constatação consternada

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Cada vez que vejo as notícias, e agora que estou longe vejo-as com particular avidez, sinto a draconiana necessidade de abrir um quarto tomo a este blog. Chamar-lhe-ia: do Nojo.

Da (in)justiça

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Como nunca é tarde para expressar indignação, este blog não se poderia manter silencioso sobre a insidioso saneamento de Carrilho. Num país destes, pode-se esperar mais do que isto?E já agora, como se pode apelidar de "polémico", como eu já li acerca deste, um livro que simplesmente espelha um raciocínio de um cidadão? Mais, um exercício pensante, uma vez que nas palavras de Carrilho: "Nas minhas crónicas, procuro sempre escrever para compreender e (se possível) fazer compreender; é na escrita que se desenvolve e apura a inteligibilidade do mundo...". Mas valerá a pena consertar isto se isto não tem conserto... Vale pois, e à bruta se for possível, porque esta gente acha tudo polémico, e cala-se perante todas as polémicas.

Uma pérola

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Refiro-me às perguntas da jornalista obviamente...

Aproveite quem puder

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Destaco o dia 28 de Outubro deste ano e a 30 de Junho do próximo.

A Europa, a Civilização e o Federalismo

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Para início de conversa, porque lamentavelmente a estada holandesa tem sido demasiado trabalhosa para grandes lavras, fica este post inteligente e lúcido.

Bartleby

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"Não há nada que irrite mais uma pessoa enérgica do que a resistência passiva."

"Antes nunca experimentara mais do que a tristeza - não de todo desagradável."

"(...) essa mesma melancolia transformou-se em medo, aquela piedade em repulsa."

Excertos retirados do conto Bartleby de Herman Melville.

Conto perturbador e peculiar, de carácter simbólico, que assenta numa personagem sempre misteriosa, cujo comportamento heteróclito poderá representar um conjunto de sentimentos, estados ou representações filosóficas. Destes, destaco como os que me pareceram mais palpáveis: a depressão; uma espécie de solidão exausta, própria das doutrinas mais niilistas; um ensaio negativista sobre a completa liberdade do homem; ou por último uma representação metafórica da inadaptação do homem aos tempos modernos (note-se que o enredo passa-se em Wall Street). Mas mais do que tudo isto, o livro parece-me versar sobre o advogado inominado que narra a história. Através dele, observamos um contínuo debate interior entre a piedade e um certo funcionalismo social. Por um lado, existe neste advogado uma crescente afeição pelo desamparo de Bartleby; por outro, a vida social do advogado, os seus mesteres profissionais e deveres sociais, imprimem-lhe uma necessidade veemente de se livrar de Bartleby, o empecilho. De permeio, exala-se uma vaidade interior, a vaidade da caridade, e uma expiação da culpa que se faz por intermédio da acção de terceiros e da lei, isto é, tudo o que acontece de nefasto a Bartleby, é, à luz do advogado, meramente uma consequência natural da lei, accionada não por si, mas por um inquilino. Resta-me completar dizendo que o conto é-nos apresentado de forma muito breve - lê-se numa tarde - e escorreita, o que denota uma mestria particular do escritor, uma vez que escrever bem de forma simples é, se não a mais difícil, das mais difíceis formas de escrever.


Nota: A capa apresentada refere-se a uma edição espanhola. Apenas a escolhi por-me parecer a mais condizente com o livro. Em português, podemos encontrar o conto através da Assírio & Alvim. De qualquer modo, os tradutores dão nota de que existem divergências de tradução pelo que se recomenda a leitura do original.

Da suposta Evolução

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Na evolução das espécies, e sobretudo na humana, têm-se cometido um conjunto de especializações. Uma delas foi no trabalho, outra foi na desumanização. Pelo meio, perdemos alguns conceitos, típico em qualquer processo de ruptura. Estaremos, por assim dizer, a perder o conceito de Homem?

Uma recomendação cega

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Ora aqui está um livro que eu, obrigatoriamente, irei ler. E não vejo a hora de lhe por a mão em cima! Não tenho opinião formada sobre o plumitivo Raposo, mas o simples facto de ter exarado este livro dá-me confiança. É que isto, ou aquilo que suponho esteja ali escrito, é algo em que penso e com que me assusto faz tempo. E atenção, a experiência holandesa, só me tem reforçado este receio. A ideia vigente neste momento - e pior, daqueles que serão os futuros quadros da Europa - é a da caridadezinha coqueterie, da integração arrozada, da relativização dos pilares constituintes do ser europeu em prol de uma globalização que - dizem eles - acrescenta valor. É claro que tudo isto tem muito mais que se lhe diga; e tarde ou cedo, direi. Mas este post é só sobre o Um mundo sem Europeus. Leiam, eu vou ler. Andamos a precisar.

As intermitências da morte

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"Menos a questão da morte, senhor, se não voltarmos a morrer não temos futuro."

"(...)as pessoas condenadas a desaparecer não resolvem os seus assuntos, não fazem testamento, não pagam os impostos em dívida, e, quanto às despedidas da família e dos amigos mais chegados, deixam-nas para o último minuto, o que, como é evidente, não vai dar nem para o mais melancólico dos adeuses."

"(...) se lhe viesse a suceder uma infelicidade, ainda teria oito dias, cento e noventa e duas horas para viver. Umas orgiazinhas de sexo, droga e álcool, como tinha ouvido dizer que se organizavam, ajudá-lo-iam a passar para o outro mundo, embora correndo o risco de que, lá no assento etéreo onde subiste, se te venham a agravar as saudades deste."

"(...)mas o mais provável é que amanhã já lhe tenha passado o resto da emoção de hoje, e, assim como me apareceu, desaparecerá."

"E como as esperanças têm esse fado que cumprir, nascer umas das outras, por isso é que, apesar de tantas decepções, ainda não se acabaram no mundo..."

Excertos do livro As Intermitências da Morte de José Saramago

Intitulado como romance, esta obra de Saramago, uma das mais conhecidas e da "pós-nobelização", só me pode ser entendida como um ensaio. Em primeiro lugar porque o enredo é primário. Baseia-se num conjunto de acontecimento sucessivos, ainda que saltados no tempo, mas sem estória principal. Em segundo lugar, porque o livro serve para o autor ensaiar certas possibilidades mais ou menos funestas onde pontifica a ideia de suspensão da morte por tempo indeterminado. O tumulto político, social e económico causado por esta alteração de fundo serve de base a (mais) uma diatribe critica no seu tom preferido: a ironia. Para além deste ensaio destaca-se a possibilidade de sermos notificados da nossa própria morte com uma semana de antecedência, outro absurdismo do escritor. Só no fim do livro temos a possibilidade mística - fazendo até lembrar toda a novela de O memorial do Convento - de ver a morte envolvida num romance, desta feita com um comum mortal fora de prazo, isto é, que a morte esquecera de matar. Por ser mesmo no final do livro, fica a faltar densidade à personagem do violoncelista, ainda assim interessante. O desenlace, que como em outros ensaios do autor, não resolve toda a trama, está, na minha opinião, muito bem conseguido, dando a esta obra de Saramago aquilo que falta em algumas outras, um final coadunado com a qualidade de toda o livro. Como conclusão, um livro difícil de ler, porque nunca prende verdadeiramente o nosso interesse, mas com um laivo de bom romance - o final - e boas conclusões ensaísticas como a actuação da Maphia ou as reacções humanas às diferentes circunstâncias desta morte mutável.