Uma recessão para Portugal, faz favor...

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O governador do Banco de Portugal revelou hoje, o que sensatamente o Primeiro-Ministro revelava no dia anterior. Portugal está em recessão técnica. Somos aquela “economiazinha” que quer tudo o que os outros querem. Uma espécie de atrelado mal cheiroso e ferrugento, em tempos idos Império pujante, hoje de produção imberbe.

Ninguém é o culpado desta crise. Pelo menos, da caça às bruxas todos os políticos se livram. A situação conjuntural é de tal forma grave que por um ano deixaremos de pensar no atraso estrutural (nesse valeria a pena uma caça às bruxas) e concentraremos esforços em resolver o que inevitavelmente nos tocou à porta. Neste momento o nosso país, à semelhança de todo o mundo desenvolvido, produz menos do que o que já produziu. A crise do SubPrime levou os mercados financeiros a uma ameaça de colapso que envenenou os próprios mercados. Os títulos mais seguros afundaram-se em perdas astronómicas, os índices mantêm uma volatilidade anormal e já por várias vezes mostraram a sua força. Vários grandes bancos mundiais precisaram de um, na generalidade dos casos, saudável apoio governamental, noutros casos, como o Lehman Brothers, a falência foi o destino. Perante tudo isto, os bancos apertaram no crédito. Aumentaram spreads e limitaram mesmo as linhas creditícias a certos devedores. O dinheiro rareou, a indústria arrefeceu porque alimenta-se do dinheiro da banca e sobretudo porque o consumidor, sem o crédito não consome. Daqui para frente os mínimos conhecimentos de economia levam a que se suponha o resto. Desemprego, diminuição do produto, queda das exportações e abrandamento da inflação para um nível perigoso.

O Subprime não é negócio nosso, até porque os nossos bancos não têm dimensão para esse tipo de “cavalgadas financeiras”. O que é negócio nosso são as consequências dessa crise a uma economia que depende das exportações para crescer. O que é negócio nosso é a estrutura que os nossos bancos têm para aguentar ou não uma crise destas. O que é negócio nosso são as off-shores imorais e as administrações incautas. De banca, a face mais visível desta crise, estamos conversados.

Apanhados que estamos por esta crise, analisemos as medidas tomadas pelo governo e seus pares. Os pacotes de combate à crise consistem numa expansão brutal do investimento público. O investimento público pressupõe um custo, e um retorno. Ao custo devemos acrescentar que ele se repercutirá sob a forma de dívida pública. Na minha opinião, o investimento público é obviamente uma forma de expandir o consumo público, aliviando as empresas, colocando novamente dinheiro na economia e impulsionando a economia para a recuperação. Contudo, desengane-se o leitor que poderá achar que defendo este pacote de investimento. Mais do que aumentar o investimento é preciso aumentar investimento com retorno, porque em Portugal já não à grande margem para confundir investimento com despesismo! O grande problema deste pacote de medidas é que assume um aumento da dívida publica sem se certificar do retorno. Caso não fosse assim, Governo ou Banco de Portugal estimariam o impacto positivo desses investimentos, coisa que qualquer português merece saber e não sabe. Ninguém tem o direito a exigir contas exactas, se fossem possíveis não se tratava de investimento pois o investimento pressupõem um risco, mas o investimento consciente exige um maior rigor de análise. Relembro o que aqui escrevi por altura da escolha do aeroporto para a Margem Sul. Eu não discuto a localização porque como qualquer outro português não percebo de aviação ou de ornamento do território. Discuto a forma leviana com que as autoridades competentes insistem em tratar temas fundamentais.

Posto isto, e embora me pareça que já quase ninguém tenha dúvidas sobre a pertinência do investimento público de qualidade, pensemos em algumas possibilidades adicionais. Entre o CDS-PP defensor de uma descida de impostos a um PCP defensor de um aumento de subsídios e pensões sociais estudemos soluções. Nos dois casos o efeito teórico consiste em aumentar o rendimento disponível das famílias, sendo que no caso dos impostos, permitiria aumentar a capacidade de resistência das empresas uma vez que a tributação baixaria. Já no plano prático, as ideias impõem-se de formas totalmente diferentes. Uma descida dos impostos teria de ser temporária, o que implicaria uma subida dos impostos, algo que é de difícil implementação no espectro político. Já a extensão de subsídios permitiria fazer o “figurão político” sendo a sua posterior suspensão algo mais fácil de implementar. Mais acrescento que se os subsídios fossem também para as empresas, a política de subsídios em tudo ganha à de descida de impostos.

Sejam qual for os remédios para ultrapassar o calvário, ele aí esta. E nesse sentido, parece-me justíssimo abordar o aspecto fulcral da crise, o risco de desemprego. Será uma inevitabilidade: o desemprego vai subir em 2009. Isto porque com a recessão a economia não irá absorver trabalhadores e irá destruir alguns postos de trabalho. Resta-nos esperar pela recuperação sendo certo que a variável emprego recupera de forma um pouco desfasada da variável produto, o que nos pode induzir a um fim de ano já com diminuição do desemprego, caso a economia comece a recuperar em inícios de 2010. Em relação a isto, vale a pena lembrar a queda abrupta da inflação para 1%. Esta vai permitir aos funcionários públicos ter um aumento real no seu poder de compra de 1,9% (já que os aumentos serão de 2,9%), mas apesar de este ser em si um bom dado, transporta consigo o perigo da queda da inflação para um nível de deflação. Neste nível as empresas iriam falir com muito maior rapidez e o desemprego verdadeiramente explodiria! Cabe aos bancos centrais reduzir as taxas de juro para que assim se estimule o consumo e não se instale a deflação. Acontece que a esse nível, o FED já se debate com as taxas de juro mais baixas de sempre, o Banco Central Europeu ainda tem margem mas começa a ser preocupante.

Analisados todos os aspectos que me parecem fundamentais na crise, deixo para depois as deficiências estruturais e internas da nossa economia. O caminho não será fácil em 2009 e vai sendo certo que são grandes os desafios de Obama e seus pares europeus na luta contra uma crise que já só é legitimo comparar com a de 29.

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