O Terceiro Reich

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"Quando da varanda observei que a grande massa dos banhistas empreendia a retirada para os hotéis e para os parques de campismo, desci à praia. Aquela hora é triste e os banhistas são tristes: cansados, fartos de sol, viram o olhar para a linha de edifícios como soldados antecipadamente convencidos a sucumbir; os seus passos cansados que atravessam a praia e o Passeio Marítimo, prudentes, mas com um toque de desprezo, de fanfarronice diante de um perigo remoto, a sua peculiar maneira de se meterem pelas ruas laterais onde procuram imediatamente a sombra, conduzem-nos directamente - são uma homenagem - ao vazio."

"Na sua voz noto rancor e tristeza; a minha explicação, conciliadora, só lhe causa desprezo."

"- Quando morreres, Udo, serás capaz de dizer «volto ao sítio de onde venho: o Nada».
- Quando uma pessoa está a morrer é capaz de dizer qualquer coisa - respondi."

"- E que é ser um alemão?
- Não sei exactamente. É, à partida, algo difícil. Algo que temos esquecido paulatinamente."

"O que é que eles têm a ver com este hotel que cai aos bocados? Nada, mas ajudam: confortam. Prolongam o adeus até à eternidade e fazem com que recorde velhas partidas, tardes, noites, das quais só resta não o triunfo nem o fracasso, mas um movimento, uma finta, um choque, e as palmadas dos amigos nas costas."

"E o que é que aconteceu?, perguntei eu, surpreendido. Nada. Beijou-te? Tentou, mas dei-lhe uma bofetada. Ingeborg e eu rimo-nos muito, mas depois a mim fez-me pena."

Excertos de O Terceiro Reich de Roberto Bolaño

Uma personagem principal confundida, desinteressada, introspectiva e amoral, envolta numa linha narrativa - que se constitui sob a forma de diário - absurda, sarapintada por personagens enigmáticas. Eis O Terceiro Reich de Bolaño; um livro vincadamente da escola absurdista ou surrealista, com um vocabulário simples, onde o principal foco de interesse se circunscreve ao narrador e ao seu jeito errático, passando levianamente sobre os acontecimentos, demasiado aborrecido para especular sobre quaisquer consequências. Infelizmente, a história acaba por ser, também por isso, um pouco pobre e repetitiva, e salvo raras excepções, nunca alimenta um acontecimento que nos prenda a mais de dez ou vinte páginas. Enfim, uma obra com uma mensagem estética e literária - iconoclasta face a Garcia Marquez - muito definida mas que, sem o enredo e o detalhe psicológicos que se exigem deste estilo, fica muito aquém de Camus, Sartre, Nietzsche ou Dostoievski, grandes escritores/pensadores neste registo.

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