O Vermelho e o Negro

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"Sentia-se demasiado feliz para ver perigo fosse no que fosse. Ingénua e inocente, nunca esta excelente provinciana torturara a sua alma para tentar extrair dela um pouco de sensibilidade para qualquer nova forma de ventura ou infelicidade."

"Desta vez, a sensata Madame Derville achou a prima muito menos alegre, mas muito mais feliz."

"É este, infelizmente, o mal de uma civilização excessiva! Aos vinte anos, a alma de um jovem com alguma educação encontra-se a mil léguas daquela felicidade sem a qual o amor não passa, na maior parte das vezes, de um penoso dever."

"Julien sentiu que o menor raciocínio a irritava, em vez de a acalmar. Ela via na linguagem da razão como que a linguagem do inferno."

"Tinham então entusiasmos de verdadeira loucura. Aos olhos dos outros, essa felicidade teria parecido maior. Mas já não tinham a serenidade deliciosa, a felicidade sem nuvens, a fácil ventura das primeiras épocas dos seus amores quando o único receio de Madame Rênal era o de não ser suficiente amada por Julien."

"Entre os fidalgotes de Verriéres e das vizinhanças inscritos no registo dos irmãos contribuintes, segundo o montante das suas ofertas, por mais de uma vez o nome de Monsieur de Rênal ocupara a última linha. Em vão, ele alegava não ganhar nada. O clero não brinca com assuntos desta natureza."

"A orientação habitual do século XIX é esta: quando um homem poderoso e nobre se depara com um homem corajoso, mata-o, exila-o, prende-o ou humilha-o de tal maneira que o outro comete o disparate de morrer de sofrimento."

"(...) Prevejo que vais ter uma carreira difícil; noto em ti qualquer coisa que ofende a vulgaridade. A inveja e a calúnia perseguir-te-ão sempre."

"Na província, se nos acontecer um acidente ao entrarmos no café, o simples criado que lá trabalha interessa-se por nós; mas se esse acidente nos causar algum melindre ao amor-próprio, é capaz de repetir dez vezes, ao mesmo tempo que nos lamenta, a palavra que nos faz sofrer. Em Paris, têm a delicadeza de ocultar o rosto para se rirem de nós, mas seremos sempre uns estranhos para eles."

"«Já não ridículo - dizia monsieur de La Mole - num país onde existem dois partidos.»"

"O amor imaginado tem sem dúvida mais espírito do que o verdadeiro amor, mas só por momentos atinge o entusiasmo; tem demasiada consciência de si e está sempre a julgar-se; em vez de perturbar o pensamento, constrói-se de pensamentos."

"Quando o ser humano cai no último abismo da desventura, tem como derradeiro recurso a coragem."

"Sofria muito mais profundamente durante a minha primeira viagem a Estrasburgo, quando me julgava desdenhado por Mathilde... E poder dizer que desejei com tanta paixão esta intimidade perfeita que hoje me deixa tão frio!... De facto, sinto-me muito mais feliz sozinho do que quando essa bela mulher partilha a minha solidão...»"

"«Não, o homem não pode confiar no homem.»"

Excertos da obra O Vermelho e o Negro de Stendhal

Obra fabulosa no capítulo psicológico sobre um jovem seminarista e preceptor; de hipocrisia torpe, filaucioso e astuto, cuja inteligência e conflito interior nos é tão admirável que é impossível não nutrir simpatia por ele. No fundo, é disto que o romance sobre Julien Sorel nos trata. Um Romance enquadrado historicamente na ressaca Francesa de Napoleão, algures nos anos de luta entre os Liberais e os Ultras em França, onde a consciência social é vincada, tanto no carácter e atitudes das personagens - em especial em Sorel, no Maire e em Mathilde -, como na descrição dos espaços e acontecimentos.

Com uma escrita muito rica e densa, o livro tem um magnetismo raro em comparação com outras obras da apelidada "Literatura Pesada". Se por um lado temos descrições sublimes sobre os sentimentos das personagens, e até sobre as especulações e conjunturas que fazem entre si, por outro temos uma história rectilínea e imprevisível, sem precisar do cinematográfico
suspense, tão em voga nos dias de hoje.

Este
Roman à thése toca em todos os pontos que um Romance secular deve tocar. Amor, erotismo, sociedade e política estão lá; e até a consciência artística, um pouco escondida (por vezes fica a impressão que Stendhal não queria especificar) comparece de forma competente, numa obra onde são pontificadas as vantagens da província face à capital. Uma obra cimeira dos triângulos amorosos, com a carga psicológica de um Dostoiévski, nas mãos de um narrador irrepreensível como é Stendhal.

A Fábula

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"...fora permitido ao filho alistar-se no dia seguinte, e em Agosto foi enviado para a Bélgica e passadas três semanas já fora dado como desaparecido em Mons, e isso foi aceite por todos excepto pelo pai, que pediu à firma de advogados uma licença sem vencimento para sair e se alistar, e estes concederam-na por que pensaram que ele nunca conseguiria ser aprovado nos exames médicos. Oito meses depois, também o pai estava em França. Um ano depois ainda estava a tentar, primeiro conseguir uma licença para se ausentar; depois, quando isso falhara, a tentar a transferência para alguma unidade suficientemente próxima de Mons para procurar o filho, embora já se tivesse passado muito tempo desde que se referira a ele, como se tivesse esquecido o motivo por que estava ali e se lembrasse apenas do destino..."

"A guerra é um episódio, uma crise, uma febre cujo objectivo é livrar o corpo dessa mesma febre. Assim o objectivo da guerra é acabar com a guerra. Sabemos disso há seis mil anos. O problema é que demorámos seis mil anos a aprender a fazê-lo."

"Porque eles não acreditavam que a guerra estivesse terminada. Decorria há demasiado tempo para cessar, para acabar, de uma noite para a outra, com um mero aviso, e daquela maneira. A guerra limitara-se a prender-se em si mesma; não os homens envolvidos nela, mas a guerra em si, guerra, insensível e até desatenta à angústia, à carne rasgada, a toda a mesquinha vaga e revoada de vitórias e derrotas como o enxamear e rodopiar de insectos..."

"...três mil homens que tinham salvo a França e o mundo iriam perder as suas vidas, não no próprio acto, mas apenas depois do facto, de modo que, para homens que tinham salvo o mundo, o mundo que tinham salvo não merecia o preço que tinham pago por ele..."

Excertos da obra A Fábula de William Faulkner

A aclamada obra de Faulkner, vencedora do Pulitzer e do National Book Award, chegou-me às mãos numa edição relativamente recente da Casa das Letras, que me convenceu, muito por culpa da chancela de Nobel que o autor carrega. Nestas coisas da leitura, vou tendo os meus princípios. Um deles é desconfiar da literatura Norte-Americana. Para o caso, não fez mal; arrisquei. Foi talvez por escolher um obra multi-premiada que tenha arriscado, mesmo sem nunca ter lido Faulkner anteriormente.

A primeira impressão foi desafiante. Uma leitura densa, em jeito de romance histórico, um tanto desligado e de parágrafos prolixos. Nada que assustasse a minha tolerância; que é coisa de 50 a 70 páginas, mas na verdade, o livro nunca mudou. Foram 330 páginas de boas passagens, desusadamente introspectivas para um escritor não Europeu - e este é um ponto que saúdo -, sem que a história me parecesse cabalmente una, nem tão pouco premeditada. Ou seja, se por um lado é bom haver um livro bem escrito sobre a Primeira Guerra Mundial, tão esquecida em função da Segunda, por outro lado é uma pena a lógica narrativa tão intrincada, de onde dificilmente se apanha o fio condutor.

Confesso que o fim não me deu qualquer prazer, antes alívio, mas certamente estarei em desacordo com quase todos os que lerem a obra, e por isso, em consciência, aqui fica a sinopse do editor.